Este material é produzido pelo Media Lab Estadão.
São Paulo,
1
o
de abril
de 2020
4
A CALÇADA IDEAL
Por Patrícia Rodrigues
H
á três anos, a rotina do con-
tador Paulo Camargo Filho,
73 anos, morador do Itaim
Bibi (zona oeste) há mais de 40, in-
clui, diariamente (e mais de uma vez
todos os dias), uma maratona pelas
calçadas do bairro. É ele quem acom-
panha sempre a esposa, Cecília Ca-
culda- margo, 71 anos, que possui difi
des de locomoção em virtude de uma
doença neurológica.
Para facilitar seus deslocamentos
pelas ruas do bairro, ela utiliza uma
scooter elétrica. Mas, para isso, enfren-
ta diversos obstáculos no extenso qua-
drilátero formado pelas ruas Jesuíno
Arruda e Doutor Renato Paes de Bar-
ros até chegar à João Cachoeira, impor-
tante via de comércio e serviços da re-
gião. “O bairro tem boa infraestrutura;
porém, o maior problema são as calça-
das, sobretudo nesse trecho onde ainda
cação”, revela Ca- não houve a requalifi
margo. “São declives, degraus, rampas
cultam a pas- e falta de padrão que difi
sagem da scooter. Isso obriga a utilizar
o leito da rua, muito perigoso, inclusive
não só para quem está nesse tipo de
veículo mas para outros vizinhos que
necessitam de andador”, explica.
De acordo com Camargo, postes e
bancas de jornais também limitam a
circulação e, a partir das 17h30, há ain-
da a “concorrência” de mesinhas e ca-
deiras dos muitos bares que estendem
seus salões para o espaço público. E,
mais recentemente, bicicletas e patine-
tes elétricos que são deixados no meio
da calçada. “As pessoas tentam nos aju-
dar a ultrapassar essas barreiras, mas
isso aumenta o risco de queda”, diz.
SÃO PAULO LONGE DO IDEAL
Um dos grandes desafios da mo-
bilidade sustentável nas grandes
cidades também é torná-las cada
vez mais acessíveis e inclusivas, so-
bretudo para idosos e pessoas com
ciência (PCD). Segundo o IBGE defi
(Pnad 2015), a população brasileira
com 65 anos ou mais é composta
por 29.374 milhões de pessoas, to-
talizando 14,3% da população total
do País. Só na cidade de São Paulo,
de acordo com a Fundação Seade, há
1,7 milhão de idosos no município
(15% da população paulistana), e
eles corresponderão a 30% da popu-
lação do município em 2050.
nal do ano passado, o portal No fi
Mobilize Brasil apresentou resulta-
dos de avaliações sobre acessibilida-
de e caminhabilidade nas 27 capitais
brasileiras, realizadas entre março e
julho de 2019, totalizando 835 avalia-
ções, cada uma delas com 13 quesitos.
Foram observadas calçadas apenas no
entorno de edifícios e demais equi-
pamentos construídos e mantidos
pelo poder público. A média chegou
a 5,71, ainda assim muito abaixo da
nota 8, considerada a mínima para
um caminhar seguro e confortável.
A cidade de São Paulo obteve a me-
cação no ranking nacional lhor qualifi
— 6,93, mas ainda está longe da ideal.
Muitos locais receberam requalifica-
ções nos últimos dez anos, todas reali-
zadas diretamente pelo poder público.
Mas, somadas, essas faixas caminhá-
veis não chegam a mil quilômetros,
muito pouco se comparados aos cerca
de 30 mil estimados em toda a cida-
de. E, como reforça o estudo, algumas
pontes, viadutos e avenidas são prati-
camente intransponíveis para pedes-
tres e cadeirantes, exigindo estratégias
como as de Paulo Camargo.
MANUAIS E GUIAS DE CALÇADAS
A cidade conta com manuais e guias
de calçadas, produzidos em campa-
nhas ao longo de duas décadas, o que
resultou em grande diversidade de
materiais e padrões aplicados às vá-
rias regiões: concreto alisado, blocos
e placas de concreto, placas de pedras,
mosaicos de pedras portuguesas e la-
drilhos hidráulicos. Também recebeu
intervenções de caminhabilidade em
corredores estratégicos e rotas com
grande circulação de pedestres, caso
da Avenida Paulista ou mesmo de vias
em bairros distantes do centro.
Dados da prefeitura indicam 17
mil km de ruas, supondo que existam
cerca de 30 mil km de calçadas, já
que algumas ruelas não as têm. Des-
se total, 17% (cerca de 5.100 km) são
mantidos pelo poder público. Ainda
assim, são raros e descontínuos os
locais realmente caminháveis, e não
apenas pela condição das calçadas: si-
ciente, ruído e poluição, nalização defi
falta de segurança e conforto são fa-
tores que levam o paulistano a usar o
carro até para pequenas saídas. Cerca
de 40% das viagens de carro percor-
rem menos de 2,5 km (pesquisa ori-
gem—destino do Metrô).
CIDADE
o diário para desafi : CALÇADAS
culdades de locomoçãoquem tem difi
Buracos, desníveis, falta de acesso, largura variável e obstáculos prejudicam o deslocamento
SP tem
cerca de
40 mil
quilômetros
lineares
de calçadas
Cerca de
85%
estão sob
responsabilidade
de particulares.
A prefeitura de
São Paulo realiza
a manutenção
dos outros 17%
Fonte: PMSP
Cecília Camargo,
71 anos, encontra
diversos obstáculos
para se deslocar
pelas ruas do
Itam Bibi
Deve ter faixa livre exclusiva à circulação de pedestres
Largura mínima de 1,20 m para calçadas de até 2,4 m e de 50% para acima de 2,4 m
Livre de desnível, vegetação, obstáculos físicos, temporários ou permanentes
rme, contínua e antiderrapante sob qualquer condiçãoPossui superfície regular, fi
Readequações na cidade
id Torquato, secretário Municipal da ra, a seguir, a entrevista com CConfi
ciência, um dos órgãos responsáveis pelo investimento dePessoa com Defi
R$ 200 milhões para implantar o Plano Emergencial de Calçadas (PEC) em SP
E
m dezembro passado, a prefeitura
de São Paulo, por meio da Secre-
taria Municipal das Subprefeituras
(SMSUB), investiu R$ 200 milhões para
implantar o Plano Emergencial de Cal-
çadas (PEC) em toda a cidade. Os crité-
rios utilizados consideram os locais com
grande circulação de pedestres, públicos
e privados, solicitações realizadas pelo
Portal SP156 e acesso aos equipamentos
públicos. O objetivo é tornar acessíveis
1.635.740 metros quadrados de calçadas
m de 2020. em rotas prioritárias, até o fi
A primeira etapa contempla as calça-
das mais largas e, posteriormente, as
mais estreitas, que precisam ser alar-
gadas. Até o final desta gestão, estão
previstas readequações em cerca de
153 mil metros quadrados só na re-
gião central. As calçadas serão feitas
de concreto e lisas como o padrão da
Avenida Paulista, ofertando mobilida-
de e segurança para todos. Os mapas
com as regiões e vias contempladas
pelo PEC podem ser acessados pela
internet na plataforma Geosampa, na
aba “Sistema Viário”.
QUAL A PARTICIPAÇÃO DA
SECRETARIA DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA NAS DISCUSSÕES E
TOMADAS DE DECISÃO NO PROCESSO
DE REQUALIFICAÇÃO DAS CALÇADAS?
Cid Torquato — A proposta da atual
gestão é envolver várias secretarias.
Sem dúvida, somos o grupo que mais
bate na tecla sobre a gestão das calçadas,
insistindo na importância de ter calça-
das decentes em São Paulo. Com todos
os problemas, ainda estamos falando da
cidade mais acessível do Brasil. Temos
uma visão estratégica de que as calça-
das são prioritárias: até o momento
não existia no município uma rubrica,
- uma adequação orçamentária específi
nalidade. Calçada não é ca para essa fi
algo que se trate como espasmos, mas
com investimentos sistemáticos, todos
os anos, de R$ 200 milhões a R$ 300
milhões. Pegamos a cidade com calça-
das em frangalhos e um dos gatilhos
foi repensar a calçada como prioritária,
assim como acontece com recapeamen-
to e outras questões de conservação. É
um planejamento anual para que, em
dez anos ou menos, todas as calçadas
prioritárias estratégicas em São Paulo
estejam requalificadas. São quase R$
300 milhões se somados os recursos do
Plano Emergencial de Calçadas (PEC),
mais outras obras relacionadas à mo-
bilidade, caso do Anhangabaú, todo o
centro velho que terão grandes trechos
refeitos, além de parques e praças com
co. investimento específi
COMO FOI A ESCOLHA DESSES
TRECHOS REQUALIFICADOS?
Torquato — Lá atrás, começamos a
fazer um trabalho para entender que
calçadas eram prioritárias e, para isso,
consultamos várias bases de dados, es-
pecialmente a do 156, e todas as subpre-
feituras para identificá-las. É algo em
torno de 9 milhões de metros quadra-
dos prioritários. Nesta gestão, sem con-
tar essas outras obras em parques e pra-
cando mais de 1,5 ças, estamos requalifi
milhão de metros quadrados pelo PEC.
É por meio desse plano emergencial
que a prefeitura pode fazer essas melho-
rias em espaços particulares e não co-
brar. Isto é, permite que o poder público
faça calçadas inclusive em áreas de res-
ponsabilidade privada e não cobre para
garantir a continuidade da obra, princi-
car palmente nas estratégicas para não fi
aquele picote no trajeto. Se as gestões
subsequentes investirem nesse ritmo,
em menos de dez anos podemos ter to-
cadas. Paralelamente, das elas requalifi
combater o grande vilão das calçadas,
as concessionárias. O poder público
tem grande dificuldade de lidar com
eles, não pedem autorização para fazer
as obras, não têm planejamento porque
as obras são sempre emergenciais, e
acabam não cumprindo as formalida-
des para realizar obras, entregando de
volta para a cidade uma calçada e ruas
inadequadas, pois não fazem o reparo
de forma correta.
COMO TEM SIDO ESSE PROCESSO?
Torquato — Está começando agora,
em algumas subprefeituras de forma
mais ágil, outras de forma mais len-
ta, mas a estratégia é fazer com que
essas obras nas calçadas sejam mais
perceptíveis. Estamos tocando a nos-
sa parte e é hora de todos fazerem a
sua. Inclusive com os novos padrões
determinados pela prefeitura, com
grande foco no concreto moldado
. Além da questão do padrão in loco
do material, temos cartilhas para os
munícipes cuja calçada faz parte des-
se processo. Todas as 32 subprefeitu-
ras têm obras já começadas. Estamos
preparando uma nova licitação para
ampliar esse alcance para além de 1,5
milhão de metros quadrados.
Foto: Divulgação
Para ler a
reportagem na
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Fotos: Marco Ankosqui
TODAS AS 32
SUBPREFEITURAS
TÊM OBRAS JÁ
COMEÇADAS.
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