O Estado de São Paulo (2020-04-01)

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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 1 DE ABRIL DE 2020 Política A


VERA


MAGALHÃES


E


ste texto é escrito no aniver-


sário do golpe militar de


1964, e será lido no Dia da


Mentira. Essa mudança no calendá-


rio ocorre no momento em que vive-


mos o agravamento da pandemia do


novo coronavírus submetidos, de


um lado, à apologia do arbítrio e, de


outro, ao império da mentira como


política de Estado.


Eis por que o País passou o dia pren-


dendo o fôlego já curto, imaginando


se o pronunciamento de rádio e TV de


Jair Bolsonaro seria para espalhar


fake news sobre a pandemia e mandar


as pessoas saírem às ruas ou para lou-


var a ditadura. Ou ambas as coisas.


Mas o que se viu e ouviu foi um presi-


dente assustado recuar de todas as bra-


vatas recentes e fazer apenas menção à


ajuda das Forças Armadas no combate à


pandemia, sem revisionismo histórico.


Bolsonaro pela primeira vez colo-


cou a defesa da vida à frente da dos


empregos. Procurou mostrar empatia


sincera enquanto lia um teleprompter


com expressão e olhos contraídos.


O suspense que antecedeu o pronun-


ciamento era extensivo a ministros,


que não sabiam qual seria o tom da


fala. Não por acaso. O presidente co-


meçou o aniversário do golpe na toada


do confronto e da mentira: reuniu sua


claque de blogueiros e youtubers fa-


náticos para interromper e hostilizar


os jornalistas na frente do Palácio da


Alvorada. Desta vez, no entanto, a im-


prensa virou as costas e foi embora.


Deixou o presidente nu: solitário e cer-


cado de acólitos, o que tem sido a mar-


ca de seu governo em 2020.


A OMS também teve de parar tudo


que está fazendo para desmentir a ver-


são, depois remendada por Bolsonaro


no pronunciamento, de que tinha reco-


nhecido a necessidade de as pessoas


trabalharem para “ganhar o pão”.


O recuo repentino de Bolsonaro


mostra que ele está ciente de que vem


minguando em todas as pesquisas rea-


lizadas, inclusive as medições de sua


influência nas redes sociais.


Estudo diário feito pela consultora


de imagem Olga Curado com base nas


redes mostra que há “dois governos”


na percepção da população: um “pru-


dente”, simbolizado pelo ministro


Luiz Mandetta (Saúde), e outro visto


como “irresponsável" e “autoritário”,


representado por Bolsonaro.


A incapacidade de lidar com essa dilui-


ção da própria imagem e a tendência a


ouvir um grupo liderado pelos filhos pa-


ra tomar decisões vinham ditando a


aposta no confronto. “Não há estratégia.


Ele age instintivamente, orientado por


pessoas rasas, que pensam em consonân-


cia com ele. É tática de orelha de livro”,


disse Olga Curado, que assessorou presi-


dentes da República e candidatos à Presi-


dência nos últimos 20 anos, à coluna.


O pronunciamento de ontem foi


uma tentativa de inflexão nos vários


“dias da mentira” e de se aproximar do


governo de Mandetta e Paulo Guedes e


se afastar dos conselhos dos três filhos,


sobretudo de Carlos, o czar da comuni-


cação, e Eduardo, o tradutor que não


sabe inglês e cunhou o apelido defini-


tivo do clã: “Família Buraco”.


Bolsonaro reconheceu que não há


remédio de eficácia comprovada


contra a covid-19, disse que o vírus é


uma “realidade” (e não “gripezi-


nha”) e lamentou a perda de vidas,


sem o “paciência, acontece” que des-


pejou em entrevista na última sexta.


O barulho ensurdecedor das pane-


las nas janelas do Brasil durante a fala,


no entanto, mostra que a confiança nu-


ma mudança sincera de propósito vai


depender de ações nos próximos dias.


A missão do governo é fazer a renda


de R$ 600 aos mais necessitados, já


aprovada no Congresso, chegar às pes-


soas, algo para que ainda não há data


nem formato. É coordenar esforços


com governadores e prefeitos e con-


duzir o País numa única direção para


atravessar uma crise que não é possí-


vel determinar que duração terá, mas


que não pode ser enfrentada com o


autoritarismo dos idos de março nem


narrativa de Primeiro de Abril.


E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @VERAMAGALHAES
POLITICA.ESTADAO.COM.BR/COLUNAS/VERA-MAGALHAES/

31 de março/1º de abril


Ao ‘Estado’, governador


diz que ‘perdoa’ ministro


por mudança no discurso


de combate à covid-


por pressão de Bolsonaro


ENTREVISTA


Pedro Venceslau


No fim da semana passada, o si-


nal de alerta soou no Palácio


dos Bandeirantes, sede do go-


verno paulista. Um integrante


da equipe de segurança do go-


vernador João Doria (PSDB) te-


ve resultado positivo para o tes-


te de coronavírus, o que levou


o tucano e sua mulher, Bia, a fa-


zerem um segundo exame, que


não chegou a ser divulgado. Ao


relatar o episódio em uma sala


no subsolo do palácio, Doria re-


tirou o resultado negativo de


uma pasta e entregou à reporta-


gem com uma provocação. “O


seu ‘primo’ lá de Brasília disse


que fez, mas nunca mostrou”,


afirmou, em referência ao pre-


sidente Jair Bolsonaro.


Esse tem sido o tom nos últi-


mos tempos de Doria, que ti-


rou do topo da lista de even-


tuais adversários na disputa


presidencial de 2022 o ex-presi-


dente Lula e o PT para “promo-


ver” Bolsonaro. Mas somente


o presidente, e não todo o go-


verno. Ao Estado , Doria fez de-


fesa da permanência do minis-


tro da Saúde, Luiz Henrique


Mandetta, cujo discurso des-


toa do adotado por Bolsonaro.


O governador também falou


sobre como sua segurança foi


reforçada após as ameaças de


morte que recebeu na semana


passada e que ele atribui ao


“gabinete do ódio” do Palácio


do Planalto.


A seguir os principais tre-


chos da entrevista:


lLideranças de esquerda lança-


ram um manifesto pedindo o afas-


tamento de Bolsonaro. Há quem


enxergue nisso uma resposta ao


seu protagonismo na oposição.


Não vejo isso. Vi o manifesto.


Sinto que cada vez mais cres-


cem as manifestações em rela-


ção ao presidente Jair Bolsona-


ro pelas posições equivocadas


e irresponsáveis que ele tem


adotado diante de uma crise


tão grave como essa. O Brasil


está sem um líder na mais gra-


ve crise de saúde dos últimos


90 anos, e a mais grave crise


econômica também.


lBolsonaro pode unir esquerda


e direita contra ele?


Ele está provocando circunstân-


cias que nunca haviam sido vi-


sualizadas do ponto de vista po-


lítico. Nesse momento, 24 dos


27 governadores estão unidos,


independentemente de suas po-


sições partidárias. Não me lem-


bro de ter visto algo assim no


Brasil pós-ditadura militar.


lPode surgir uma frente ampla


contra Bolsonaro?


Nesse momento há uma frente


pelo Brasil, pela defesa dos bra-


sileiros. Isso eu sinto claramen-


te. Ela é composta por governa-


dores, prefeitos, uma parte do


Congresso Nacional e uma par-


te considerável do Judiciário,


da imprensa, dos formadores


de opinião. Não vejo essa fren-


te nesse momento com nenhu-


ma vocação política, partidária


ou ideológica.


lO sr. defende o afastamento ou


o impeachment do Bolsonaro?


É ao Congresso que cabe fazer


essa avaliação e tomar uma deci-


são. O que eu defendo é o Bra-


sil. Espero que o presidente pos-


sa mudar de posição e defender


o Brasil, e não agir contra. Bol-


sonaro hoje não lidera o Brasil.


Espero que ele tenha a humilda-


de de reconhecer o seu erro.


lO que acha da ideia de isola-


mento vertical?


É absolutamente inviável. São


7 milhões de pessoas com mais


de 60 anos em São Paulo. Co-


mo fazer o isolamento vertical


de 7 milhões de pessoas, que re-


presentam o grupo de maior


fragilidade? Não há 7 milhões


de leitos, mesmo se reservas-


sem todos os hotéis e pensões.


lO ministro Mandetta flexibili-


zou o discurso por pressão do


Bolsonaro e depois reforçou a


orientação das autoridades médi-


cas. O que achou disso?


Ele mantém a posição que o


isolamento é importante para


preservação da vida. Em aten-


ção ao Bolsonaro, ele fez algu-


mas observações. Eu perdoo o


ministro Mandetta por algu-


mas dessas posições, embora


na essência ele esteja correto


em defender medidas restriti-


vas. Pelo menos até aqui.


lO que significaria a demissão


de Mandetta?


Perder o Mandetta à frente do


Ministério da Saúde, com seu


bom senso e equilíbrio, seria


um desastre para o Brasil.


lO sr. se arrependeu de ter vota-


do em Bolsonaro? Como respon-


de à acusação do presidente de


que foi oportunista por ter usado


seu nome para se eleger?


Não houve oportunismo. A cir-


cunstância de uma eleição esta-


belecia definir um lado. Ou era


o lado da esquerda ou era anu-


lar o voto ou votar em branco,


coisa que nunca fiz e espero


nunca fazer, ou era votar no


outro candidato, o que fiz, as-


sim como outras 58 milhões


de pessoas.


lMas o sr. adotou até o lema


'Bolsodoria"...


O ‘Bolsodoria’ surgiu no inte-


rior não por orientação, deter-


minação ou iniciativa nossa. O


movimento contribuiu para


que na eleição ficasse clara nos-


sa posição contra o outro can-


didato, que representava um


movimento de esquerda.


lO PSDB hoje é oposição a Jair


Bolsonaro?


Essa é uma pergunta que deve


ser dirigida a Bruno Araújo,


presidente do partido.


lA primeira quarentena termina


no dia 7 de abril. O que esperar


desse dia em diante?


A pressão do governo federal


não tem efeito em São Paulo.


Aqui, as decisões são balizadas


pela ciência. A avaliação será


dia a dia.


lAs ameaças mudaram sua roti-


na? Já tinha acontecido antes?


Nesse nível, não. Na quinta-fei-


ra, ao terminar o Jornal Nacio-


nal , parecia uma ação articula-


da. Às 21h32, comecei a rece-


ber centenas de ligações de


WhatsApp. Diziam: ‘Vamos in-


vadir a casa do João Doria’, co-


locaram a fotografia da minha


casa e o endereço na internet.


Outro movimento foi chamar


João Doria ‘filho disso, filho da-


quilo’. Foi de uma maneira des-


temida. Era fácil de identificar


a origem. Essas informações


estão com a Polícia Civil.


lO sr. acusou o 'gabinete do


ódio' do Palácio do Planalto. Tem


alguma prova?


Não quero antecipar o laudo


policial. A Polícia Civil tem


uma área de crimes cibernéti-


cos com profissionais capazes


de identificar crimes com ori-


gem em redes sociais. Mas to-


dos os indicadores convergem


para o “gabinete no ódio”.


lÉ uma acusação grave.


Grave é o presidente ter um


“gabinete do ódio”, que é co-


nhecido e tratado como tal in-


clusive por ministros dentro


do Palácio do Planalto.


lComo está a rotina do sr. nes-


ses tempos de coronavírus?


Trabalho em média 15 horas


por dia. Fico aqui a maior par-


te do tempo, e eventualmente


sábados e domingos também.


Eu só passei um período resi-


dindo aqui por orientação


médica quando começou a cri-


se e no período do teste. Fo-


ram duas noites. Tenho acade-


mia em casa. Não parei de fa-


zer exercício.


lO sr. fez um segundo teste no


sábado?


Fiz dois. Bia fez também. O


seu primo lá de Brasília disse


que fez, mas nunca mostrou.


Paulo Roberto Netto


Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA


O presidente do Supremo Tribu-


nal Federal, ministro Dias Toffo-


li, suspendeu o pagamento de


uma “ajuda de custo” a 24 magis-


trados do Tribunal de Justiça do


Ceará (TJ-CE) que integram o


Núcleo de Produtividade Remo-


ta, programa da Corte estadual


no qual um juiz auxilia proces-


sos de outras varas de casa. Se-


gundo o presidente do Supre-


mo, o repasse desse tipo de ver-


ba precisa ser autorizado pelo


Conselho Nacional de Justiça


(CNJ), que não foi consultado.


Na sexta-feira, o TJ do Ceará


editou portaria que classifica o


Núcleo de Produtividade Remo-


ta como núcleo estratégico, ga-


rantindo aos magistrados “aju-


da de custo” de 15% dos salários


por “acúmulo de funções”.


Toffoli, no entanto, alegou re-


comendação do próprio CNJ


que determina a tribunais do


País a abstenção do pagamento


de valores a título de auxílio-


moradia, auxílio-transporte, au-


xílio-alimentação ou “qualquer


outra verba que venha ser insti-


tuída ou majorada ou mesmo re-


lativa a valores atrasados”, sem


autorização do conselho.


O ministro também ordenou


que o presidente do Tribunal de


Justiça do Ceará, desembarga-


dor Washington Bezerra de


Araújo, preste informações so-


bre o pagamento em até dez


dias. O tribunal informou que


cumprirá imediatamente a deci-


são do CNJ e, no prazo, buscará


esclarecer os fatos.


O Núcleo de Produtividade


Remota foi instituído por Araú-


jo em março de 2019 com objeti-


vo era aumentar a produtivida-


de do tribunal. Na prática, o juiz


despacha de sua vara durante o


dia e, depois, colabora com ou-


tros processos de outras varas


do Ceará remotamente.


Produtividade. “O TJ do Ceará


afirmou ainda que a gratifica-


ção já era feita desde o ano pas-


sado e que cada juiz recebia


uma porcentagem de aumento


que variava de 5% a 15%. A edi-


ção da portaria na sexta-feira,


de acordo com a Corte, foi uma


forma de “equalizar” o paga-


mento dos bônus. No entanto,


a resolução que permite o paga-


mento de até 15% de aumento


por participação em núcleo, co-


missão ou comitê estratégico


foi publicada somente em janei-


ro deste ano.


“Ademais, esses 24 magistra-


dos, apesar de representarem


apenas um porcentual de 5,9%


do total de juízes do Estado, já


produziram, em menos de um


ano de atuação, mais de 50 mil


sentenças, auxiliando as mais


diversas unidades judiciais de


todo o Estado, resultando em


um aumento de mais de 200%


nas baixas processuais”, afir-


mou o tribunal.


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


País tem pior dia da pandemia


entre apologia ao arbítrio


e o império da mentira


l Verba


Temendo uma nova onda de covid-19, países da Ásia retomam restrições. Pág. A7 }


NILTON FUKUDA/ESTADÃO

SP. Para Doria, isolamento vertical é ‘inviável’ no Estado


‘Perder Mandetta


seria um desastre


para o Brasil’


João Doria (PSDB), governador de São Paulo


“Recomendação determina


aos tribunais brasileiros


que se abstenham de


efetuar pagamento a


magistrados de verba sem


que seja previamente


autorizado pelo Conselho


Nacional de Justiça.”


Dias Toffoli


PRESIDENTE DO SUPREMO

Toffoli barra ‘bônus de home office’ a juízes do Ceará


Presidente do STF afirma


que verba – destinada


a 24 magistrados por


trabalho remoto – não


foi autorizada pelo CNJ

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