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A6 Política QUARTA-FEIRA, 1 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
ROSÂNGELA
BITTAR
J
air Bolsonaro nutre profunda
descrença pela ciência. Ou, tal-
vez, não faça a mais pálida ideia
do que seja. Como, por sinal, de-
monstrou na formação do governo,
ao chamar um astronauta para con-
duzi-la, refletindo, com isso, sua vi-
são sobre a órbita da pesquisa e da
inovação no Brasil.
Mas há uma ciência a que dá ouvi-
dos: a da análise aritmética das pes-
quisas de opinião. Entre estas e o
avassalador ciclo da pandemia que
assombra o mundo, sua opção foi ig-
norar urbi et orbi , até relevar os pitos
que tomou das autoridades mun-
diais, para escolher o que lhe interes-
sa de verdade, a campanha da reeleição.
A rota de fim do mundo que a covid-
19 sugere não é problema para o presi-
dente. Bolsonaro, à vontade como um
médico que não é, até receitou remé-
dio, de eficácia duvidosa e efeito colate-
ral certeiro, desafiando a doença. Tam-
bém pediu conformismo diante das es-
tatísticas da morte, já que, na sua lógica
displicente, todos morreremos um dia.
Limitou a estas suas considerações.
A ciência da pesquisa de opinião pú-
blica, ao contrário, é levada a sério.
Com ela acionou a luz vermelha da sala
de onde, no Planalto, se detonam os
discursos, tuítes e decisões que agri-
dem o bom senso em qualquer idioma.
De lá saíram recomendações, como as
de iniciar uma cruzada contra o distan-
ciamento social que previne o contá-
gio da doença, criar um contraponto a
ela com a derrocada da economia, insu-
flar o comércio a abrir suas portas a
pretexto de garantir o emprego.
Enquetes de março estão lhe dizen-
do que sua popularidade não sofreu
abalo significativo a ponto de compro-
meter a reeleição, mas o mesmo benefí-
cio da dúvida não foi dado à atuação na
economia. Esta avaliação piorou de
uma maneira consistente.
É a informação mais importante
que se pode extrair dos números le-
vantados em plena crise. Pesquisa
Ipespe para a XP, por exemplo, apon-
ta inversão da curva na economia: an-
tes, 48% diziam que o governo estava
no caminho certo e 38% no caminho
errado. Agora, 48% acham que está no
caminho errado. Outra má notícia pa-
ra Bolsonaro é a opinião sobre quem é
o responsável pela situação econômi-
ca ruim. Antes, 3% atribuíam respon-
sabilidade a ele. Agora, já são 17%.
Foi a partir disso que o presidente,
debilitado por um PIB em decomposi-
ção, ficou mais nervoso e desembestou.
O costume de transferir a culpa do
mal para o Congresso, a imprensa e
opositores políticos, e do bem para si
próprio, não funciona na aflição agu-
da. Não há como fugir nem fingir: o
governo federal é o responsável pelas
ações para combater os dois maiores
medos da população, hoje. A morte e,
para quem escapar, o desemprego.
A economia, sabe o candidato, será
determinante, principalmente para
quem pede ao eleitorado o voto da ree-
leição. O agravamento da pandemia,
somado à imprudente mistura do risco
suicida no enfrentamento da peste à
campanha eleitoral, produz um Bolso-
naro sem rumo, na colheita dos resulta-
dos de sua desorientação.
Os que poderiam enfrentá-lo de-
sapareceram na crise. Paulo Gue-
des acredita na ciência, está de
quarentena. Sérgio Moro resolveu
impermeabilizar as fronteiras. O
PT se escondeu da crise, ou talvez
já não exista mais. A hipótese Lu-
ciano Huck, forte em dezembro e
janeiro, arrefeceu, talvez para evi-
tar contágio eleitoral das posições
polêmicas de alguns próximos.
MDB e PSDB não devem ser su-
bestimados, já derrubaram dois
presidentes e, no momento, pro-
curam uma saída, com discrição,
mas não têm nomes disponíveis.
Ciro Gomes apareceu assinando
um manifesto ao modelo estudan-
til, que não leva a nada. Só o gene-
ral Hamilton Mourão e o governa-
dor João Doria, dos candidatos já
conhecidos, usam as chances de
enfrentar o desvario do presiden-
te. Doria, porém, tem tarefa mais
séria e árdua a cumprir no auge da
crise que tem epicentro no Esta-
do que governa.
E-MAIL: [email protected]
ROSÂNGELA BITTAR ESCREVE SEMANALMENTE ÀS
QUARTAS-FEIRAS
Há uma ciência que Jair
Bolsonaro ouve: a da análise
das pesquisas de opinião
Bianca Gomes
Paula Reverbel
Frestas na lei, que dão a parti-
dos políticos autonomia qua-
se total para gerir o dinheiro
que recebem de fundos públi-
cos, possibilitaram que as
agremiações repassassem R$
144 milhões a pessoas físicas
ao longo de 2018 – ano mais re-
cente com a prestação de con-
tas integralmente disponível.
Desse valor, R$ 12,4 milhões
(9%) foram pagos diretamen-
te aos responsáveis adminis-
trativos dos diretórios nacio-
nais ou estaduais das siglas.
Em alguns partidos nanicos,
a proporção de recursos públi-
cos repassados a pessoas físi-
cas foi muito maior: 57% no
PMN, 47% no extinto PRP (que
se fundiu ao Patriota); e 46% no
extinto PHS (que se fundiu ao
Podemos). Os números foram
obtidos pelo Movimento Trans-
parência Partidária, que cru-
zou dados das pessoas físicas
pagas pelos partidos com a
composição das direções parti-
dárias – ambas as informações
divulgadas pelo Tribunal Supe-
rior Eleitoral (TSE).
Diferentemente do poder pú-
blico – que está sujeito a regras
como teto salarial, vedação ao
nepotismo ou à contratação de
empresas de parentes, e presta-
ção de contas – os partidos não
possuem teto, têm autonomia
para contratar parentes ou em-
presas próprias e estão sujeitos
apenas a uma prestação de con-
tas anual. As contas referentes a
2019 devem ser inseridas no sis-
tema do TSE até 30 de junho.
A pessoa física que mais rece-
beu recursos de uma agremia-
ção política foi Eduardo Macha-
do, presidente do extinto PHS,
hoje vice-presidente do Pode-
mos: R$ 769.436 em 2018, antes
do encerramento da sigla. Ao
contrário de outros dirigentes
partidários que foram contrata-
dos pela CLT e cujas transferên-
cias foram feitas sob a rubrica
de “salário e ordenados”, os pa-
gamentos a Machado foram as-
sinalados como “adiantamen-
tos diversos”.
Outro ex-dirigente do PHS,
Luiz Claudio França, também
consta na lista das dez pessoas
físicas que mais receberam di-
nheiro de legendas. Ele recebeu
um total de R$ 355.516 em 2018,
sob as rubricas de “salário e or-
denados”, “reembolsos com
transporte e refeições” e “ou-
tras despesas com pessoal”.
Juntos, Machado e França con-
centraram 97% do que o parti-
do pagou a seus dirigentes.
Procurados por intermédio
do Podemos, eles informaram
que o estatuto do PHS previa
remuneração de seus dirigen-
tes. “O presidente recebia o salá-
rio mais alto e o secretário-ge-
ral recebia 90% desta remunera-
ção, além de eventuais reembol-
sos de despesas. Tudo declara-
do e oficial, sem qualquer ilegali-
dade”, diz a nota.
Legislação. A lei eleitoral não
proíbe que partidos políticos
usem dinheiro do fundo para pa-
gar seus dirigentes, assim como
não estabelece limitação ex-
pressa do valor do pagamento,
afirmou o advogado Fernando
Neisser, coordenador adjunto
da Academia Brasileira de Direi-
to Eleitoral e Político. “Não se
aplicam as regras do teto do fun-
cionalismo público, então, na-
da impede que um dirigente te-
nha um salário de R$ 50 mil, por
exemplo.” Segundo Neisser, o
que a lei exige é que haja com-
provação de que os serviços con-
tratados pelo dinheiro do fun-
do foram, de fato, prestados.
Apesar de o formulário de pres-
tação de contas não fornecer es-
paço para descrever em deta-
lhes as despesas, a Justiça Elei-
toral pode pedir esclarecimen-
tos em caso de suspeitas.
Os recursos do Fundo Parti-
dário somente podem ser gas-
tos em questões de interesse da
legenda, enquanto o fundo elei-
toral deve ser direcionado para
custear as campanhas eleito-
rais, disse a advogada Marilda
Silveira, especialista em direito
eleitoral e professora da pós-
graduação do IDP. Segundo ela,
a legislação não regula minucio-
samente limites à contratação
de empregados ou dirigentes
partidários. “Não há uma nor-
ma específica sobre conflito de
interesses, como há na adminis-
tração pública. O que a lei esta-
belece é um teto de gastos geral
para contratação de pessoal. O
que o TSE já decidiu sobre a
questão foi que não há vedação
a que o partido remunere seus
dirigentes”, disse Marilda.
Para Marcelo Issa, presiden-
te do Transparência Partidária,
há a necessidade de as siglas se-
rem obrigadas a prestar contas
partidárias com uma periodici-
dade maior que a anual, como é
hoje. “O verdadeiro combate à
corrupção existe na forma de
prevenção. E só há prevenção
quando há transparência”, afir-
mou Issa.
Marlla Sabino / BRASÍLIA
O presidente Jair Bolsonaro dis-
se ontem que o aniversário do
golpe militar de 31 de março de
1964 é um “grande dia da liber-
dade”. Ele fez a declaração após
um comentário de um simpati-
zante sobre a data na portaria
do Palácio da Alvorada. A depo-
sição do presidente João Gou-
lart, naquele ano, foi o início de
uma ditadura de 21 anos que cas-
sou direitos políticos, torturou
e exterminou adversários e cen-
surou a imprensa e a cultura.
Ainda pela manhã, o vice-pre-
sidente Hamilton Mourão es-
creveu no Twitter que as Forças
Armadas “intervieram na políti-
ca nacional para enfrentar a de-
sordem, subversão e corrupção
que abalavam as instituições e
assustavam a população”.
“Com a eleição do general Cas-
tello Branco, iniciaram-se as re-
formas que desenvolveram o
Brasil”, afirmou. Mourão ainda
divulgou a hashtag #31deMarço-
pertenceàHistória.
Na véspera, o ministro da De-
fesa, Fernando Azevedo e Silva,
numa “Ordem do Dia”, lida nos
quartéis, já havia afirmado que
o golpe foi “um marco para a
democracia brasileira”. “O Bra-
sil cresceu até alcançar a posi-
ção de oitava economia do mun-
do”, ressaltou na nota. Tanto
Bolsonaro, quanto o vice e o mi-
nistro seguiram uma interpreta-
ção, que hoje se limita à caser-
na, desqualificada por historia-
dores brasileiros e brasilianis-
tas, de que o País avançou na
economia e na liberdade políti-
ca com a queda de João Goulart.
Entidades como a Associação
Nacional de História e o Institu-
to Vladimir Herzog, que leva o
nome do jornalista morto pela
ditadura, fizeram subir na rede
social a hashtag #DitaduraNun-
caMais. A campanha recebeu o
apoio de líderes políticos e orga-
nizações. Entidades de direitos
humanos estimam que 434 pes-
soas foram mortas por agentes
do Estado no período. Quando
o poder voltou às mãos de civis,
em 1985, o País vivia uma longa
crise econômica, além de de-
núncias de corrupção.
No ano passado, Bolsonaro
chegou a propor ao Ministério
da Defesa que o 31 de março fos-
se festejado. Juízes reagiram e o
governo teve de recuar.
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Vereador critica emendas
em pacote contra covid-
Quarentena de votos
● Os partidos nanicos são os que mais transferiram verba
a seus dirigentes
TOP 4
FONTE: TRANSPARÊNCIA PARTIDÁRIA, COM DADOS DO TSE. INFORMAÇÕES SÃO INFOGRÁFICO/ESTADÃO
SOBRE 2018, ANO MAIS ATUAL COM A PRESTAÇÃO DE CONTAS JÁ CONCLUÍDA PELAS SIGLAS
PMN PRP PHS PTC
739
PAGO A PESSOAS FÍSICAS
PAGO A DIRIGENTES
420
1,
2,
831 1,
milhão
milhão
1,
milhão
milhões
mil
mil
mil
416
mil
57%
47%
46%
34%
VALORES EM REAIS
Governo exalta golpe de 1964;
‘Dia de liberdade’, diz presidente
Mourão. ‘Reformas que
desenvolveram o Brasil’
O vereador José Police Neto
(PSD) informou que votou con-
tra a inclusão de “jabutis” no pa-
cote de medidas apresentado
pelo prefeito Bruno Covas
(PSDB) para lidar com a pande-
mia do coronavírus. Na semana
passada, a Câmara Municipal
aproveitou projeto de lei de
emergência para incluir emen-
das que incorporam benefícios
a salários de servidores e redu-
zir o poder da Controladoria-
Geral do Município, que fiscali-
za funcionários da Prefeitura.
“Votei a favor do PL, mas rejei-
tei o pacote de emendas. É um
absurdo enfraquecer a CGM. O
bloco de emendas também aca-
ba por incentivar as compras
sem licitação”, disse Police Ne-
to ao Estado. “Óbvio que vive-
mos uma situação extrema,
mas, até por isso, não podemos
enfraquecer os mecanismos de
controle.” Ontem, após o proje-
to ser sancionado por Covas, o
controlador-geral, Gustavo Un-
garo, pediu demissão.
O coronavírus levou a Casa a
promover a primeira votação
virtual de um projeto de lei. Por
um erro de edição, a foto de Poli-
ce Neto foi usada de forma des-
contextualizada na reportagem
Vereadores incluem ‘jabutis’ em
pacote contra coronavírus (Políti-
ca, ed. de 28/3/2020, pág. A12).
O texto, sobre votação que apro-
vou medidas sem relação com a
pandemia – não mencionou o
vereador e não incluiu informa-
ções sobre a primeira votação
virtual na Câmara de SP.
Dirigentes
receberam
R$ 144 mi
de partidos
Números são de 2018; lei não impõe limite
para salários pagos com recursos públicos
Pagamento. Eduardo Machado, presidente do extinto PHS, recebeu R$ 769 mil em 2018; estatuto previa remuneração
LUCIO BERNARDO JR. / CÂMARA DOS DEPUTADOS–22/3/
Bolsonaro, Mourão e
o ministro da Defesa
defendem data que
marca o início da
ditadura militar no País
DIDA SAMPAIO/ESTADAO-28/3/