JornalValor--- Página 5 da edição"01/04/20201a CADA" ---- Impressa por ccassianoàs 31/03/2020@21:32:5 5
Quarta-feira, 1 de abrilde 2020| Valor|A
Brasil
IMPACTOSDO
CORONAVÍRUS
ConjunturaÍndicecalculadopelaFGVsubiu52pontosapenasemmarçoechegouainéditos167,1pontos
Crise faz indicador de incerteza disparar
Rafael Rosas
Do Rio
Apandemiade covid-19fez as
incertezas sobreaeconomia bra-
sileira atingiremem março o
maiorpatamardasériehistórica,
iniciadaem2000.OIndicadorde
Incertezada Economia(IIE-Br),
calculadopelo InstitutoBrasilei-
ro de Economiada Fundação Ge-
tulioVargas (FGVIbre)subiu 52
pontos em março, atingindo
167,1pontos.
O recorde anterior era de 136,
pontos, registrados em setembro
de 2015, época que antecedeuo
processo de impeachmentda en-
tão presidente DilmaRousseff. “É
alarmante, mas era previsível”, diz
o superintendentede Estatísticas
Públicas do FGV Ibre,Aloisio Cam-
pelo. “O que acontece não éum
choque [econômico]. Éuma situa-
ção anormal.Édifícil imaginar
que as empresas possam se plane-
jar”, acrescenta.
Aprincipalrazãoparaaaltada
incertezaveiodocomponentede
mídia, que tem pesode 80% no
cálculo do IIE-Br. Comalta de 48
pontos em março, ele atingiuo
recordede 161 pontosecontri-
buiucom 41,9 pontosda alta de
52pontosdoíndicecheio.
Esse componente, explica
Campelo,écalculado por meio
de uma grandeanálisede dados
publicadosnasprincipaismídias
do país.Já ocomponentede ex-
pectativa,que tem pesode 20%
no IIE-Br, éfeito com base nas ex-
pectativasregistradasno Focus,
do BancoCentral, paraas variá-
veis de juros,inflaçãoe câmbio.
Quantomaioravariaçãodaspro-
jeções,maioraincerteza.
Nesse sentido, os 163,5 pontos
registrados pelo índicede expec-
tativaem março representaram
uma alta de 46,2 pontos ante feve-
reiroe o piorresultado desde os
176,9 pontos de dezembro de
- O recorde, nessecaso, são os
257,5 pontos que a incerteza
quantoàs expectativas atingiu em
outubro de 2002, período ante-
rior àeleição de Luiz Inácio Lula
da Silva para a Presidência.
“Em2002haviaotemordomer-
cadosobreque medidas Lula to-
mariadepois de eleito. Em janeiro,
quandoelecoloca[Henrique]Mei-
rellesnoBancoCentrale[Antônio]
Palocci na Fazenda, o temorpassa.
Ali,eram incertezas realmentere-
lacionadas à política econômica”,
frisaCampelo.
Agora,dizele,nãoapenasaex-
pectativa do mercadoéafetada.
“Hojetemosque olharoproble-
ma paramonitoraroque vai
acontecer seguindoa pautada
Saúdeenão da Economia.Se o
cenáriomelhorar, comoachata-
mentoda curva[de contamina-
çãopelovírus],poderemosteral-
gumaprevisibilidadesobreuma
possívelretomadadaeconomia”,
ponderaCampelo.
Ele, no entanto, ressalta que si-
naisdedisputainternanogoverno
sobreorumoa ser tomado no
combate à crise tornam difícil en-
xergar, no curtoprazo, a redução
da incerteza. “A únicacoisa que [a
voltaàsruas]vaigerar,éincerteza”,
frisaoeconomistadoFGVIbre.
Campeloressalta aindaque
desde2015 o nívelde incerteza
operaem um patamarmaisele-
vadoque amédiahistóricaaté
então. Ele explica que, a partirde
2015,o que se viu foramques-
tões internascontribuindo para
manterelevadoopatamardoIIE-
Br elembra,entreoutros,a crise
do impeachmentde Dilmae gra-
vações envolvendoo ex-presi-
denteMichelTemer.Apartirdo
fim do ano passado, no entanto,
essesfatorespara aumentar a in-
certezanoBrasil passaramavir
de fora,comoa crisecomercial
entreEstadosUnidose China,a
crisemilitarentreEstadosUni-
dos eIrã e, agora,ocoronavírus.
“Abril vai ser um mês turbulento
paraaincerteza”, acredita.
Baixademandaportransportemostra
quepopulaçãonãodeixouisolamento
De São Paulo, Rio, Brasília,Belo
Horizonte e Recife
As afirmaçõesrecentes do pre-
sidente Jair Bolsonaro (sem parti-
do) para que quarentenas fossem
flexibilizadas não parecemter le-
vadocontingentesignificativode
trabalhadores às ruas, apontam
secretarias de transporte. Ama-
nutenção da baixa demandadiz
respeito,sobretudo,aveículosso-
bretrilhos,enquantoparaônibus
há alguns relatos de aumento no
fluxo,oque,segundo o setor,po-
de ter relação com o fluxode tra-
balhadoresinformais.
Na cidade de São Paulo,onú-
merode passageiros que embar-
camnometrôestá82%a83%me-
nor, segundoo secretáriodos
transportes metropolitanos, Ale-
xandre Baldy. Em 2019,oMetrô
transportou3,7milhõesdeusuá-
rios,namédiadediasúteis.
NaCompanhiaPaulistadeTrens
Metropolitanos (CPTM), por onde
circulam, em média, três milhões
de passageiros por dia, a redução
está entre 76% e77%. Esse número
já chegou a 81%, mas, apóspro-
nunciamento de Bolsonaro em re-
de nacionalno último dia 24,
quando pediu a“volta ànormali-
dade”, algumas linhas registraram
aumentonofluxo.Éocasoda7-ru-
bi (Luz-Jundiaí), que observou in-
cremento de 12% no dia 25, ante o
dia anterior, eda10-turquesa
(Brás-RioGrandedaSerra),comal-
tafoide17%.“Queremostranspor-
tar as pessoas que cumprem ativi-
dades essenciais, mas com a segu-
rançade ter o transporte e seguin-
do medidas de saúde recomenda-
daspeloMinistério”,afirmaBaldy.
Fora dos trilhos,as ruasse-
guemvazias.Oíndicede conges-
tionamento da Companhiade
EngenhariadeTráfego(CET),que
monitora 868 quilômetros de
vias, foi azero em 23 de marçoe
assimpermanecia até pelome-
nosas16hdeontem.Nosônibus,
os embarquesestavam 77% abai-
xodamédiadiária,de9milhões
depessoas,atésexta-feira.
ValdevanNoventa,presidente
dosindicatodemotoristas(Sind-
motoristas),diz que,apesarda
reduçãoinicial,épossívelobser-
var aumentono fluxonos últi-
mosdias.“Tantoque estãoau-
mentandoafrota”, afirmou.ASP-
Trans colocahoje mais50 ônibus
em operação,ampliandoafrota
para 41,4%de um dia útil, quan-
docirculam13milveículos.
Na capital fluminense,omovi-
mento no metrô estava cercade
85% abaixo do normal, mesmopa-
tamardasegunda-feira,segundoa
MetrôRio. A média de passageiros
em um diaútil normal éde
mil. No sistemade trens, a Super-
viainformouqueaquedade70,8%
a 74,1% no período de 23 a27 de
março. Na segunda-feira, aredu-
ção foi de 69,2% —em um dia nor-
malsãocercade605milusuários.
No sistemade ônibus,empre-
sas apresentarammelhora tími-
da no número de passageiros
transportadosno fim de semana
e na segunda-feira,diz Armando
GuerraJúnior,presidente da en-
tidadedo setor(Fetranspor). Pa-
ra ele, é resultadodo “desespero
financeiro” de partedos traba-
lhadores, e não do chamadode
Bolsonaro. “Quemdependede
trabalhos informais,de vendas
nas ruas,precisasair de casae
buscaralgumarenda.”
Segundoele, houve redução de
71% nos passageiros transporta-
dos no município na semana pas-
sada, ante uma semanatípica. No
fim de semana, aquedafoi de
68,6%. A CCRBarcas, do sistema
aquaviário Rio-Niterói, informou
reduçãode cercade75% na de-
mandaemrelaçãoàmédia.
AoValor, o secretário de trans-
portedo DistritoFederal, Valter
Casimiro,disse que otransporte
coletivo continua com 20% a 25%
dos 600 mil passageiros que usam
o serviço emdias normais.Ontem
(31),umdiaapósBolsonarovisitar
cidades-satélites do DF, houveli-
geira alta no número de acessos
diários registrados. O númerosu-
biu de 312 mil na segunda-feira,
do dia 23 de março,para 331, on-
tem(31).Nasduassegundas-feiras
anteriores (9 e 16 de março), os
acessos diários vinhamcaindo de
forma expressiva (1,261 milhão e
898mil,respectivamente).
EmBeloHorizonte,houvepeque-
no aumentono número de passa-
geiros de ônibus na segunda-feira,
ante os dias anteriores. Segundo a
BHTrans,337,6milcircularamnase-
gunda. Entre terçae sexta-feira da
semanapassada,foramde303,2mil
a318,8 mil.Nasegunda da semana
passada eram364,5mil pessoas e,
emdiasnormais,são1,2milhãopes-
soaspordia.
Aquantidadede carrosna ca-
pitalmineiratambémé menor.
Nos pontos monitorados pela
BHTrans,252,5mil veículoscir-
cularamem médiapor dia na se-
manade 8a14 de março.Nase-
manapassada,foram82,5mil.
Já na região metropolitana do
Recife, a circulação de passageiros
nos ônibus está74% menor,na
comparaçãocomo ano passado,
segundo a GrandeRecife Consór-
cio de TransporteMetropolitano.
Em dias normais,1,8 milhão de
pessoas usamo transporte.(Anaïs
Fernandes, Bruno VillasBôas, Ro-
drigo Polito, AndréRamalho, Ra-
fael Bitencourt, Marcos de Moura e
Souza e MarinaFalcão)
Emprego já deve sentir crise em março
BrunoVillasBôas
Do Rio
Antes dos impactosdo novo co-
ronavírus, omercado de trabalho
cumpria umatrajetória de lenta
recuperação no início do ano, com
amelhora do emprego por indica-
dores ajustados sazonalmente.
Novasprojeções divulgadason-
tem por economistas, porém,re-
forçaram oquadro preocupante
para oemprego e rendaapartir de
marçoporcausadapandemia.
Dados divulgadospeloIBGE
mostramque a taxa de desem-
pregofoi de 11,6%no trimestre
até fevereiro, acimado trimestre
móvelaté janeiro (11,2%).A pio-
ra era esperadapor analistas, de-
vido à sazonalidade do período,
marcadopordispensadetempo-
rários.Ajustadasazonalmente,a
taxa recuade 11,5%para11,4%,
segundoaLCAConsultores.
“Foi a quartaquedaconsecuti-
va da taxa de desempregoajusta-
dasazonalmente,nomêsamês.
Destavez, a melhoratem aver
comoaumento da população
ocupadaedaestabilidadedafor-
ça de trabalho”, disseCosmoDo-
nato, da LCA Consultores.“Mas
são resultadossem efeitos da co-
vid-19,que devemser observa-
dosnaspróximaspesquisas.”
Projeçõesatualizadasda LCA
apontamque o pico da piorado
mercado de trabalhoserá no pri-
meirotrimestrede 2021,com 14
milhõesde desempregados.Esse
éocenáriobásico,que considera
dois mesesde medidasde isola-
mentoforteseguidosemais dois
mesescomrelaxamentogradual.
Ataxa médiade desemprego se-
ráde12%em2020.
DanielDuque,pesquisador do
InstitutoBrasileirode Economia
da Fundação Getulio Vargas
(Ibre/FGV), traçouum cenário
ainda mais preocupante. Para
ele,onúmerodedesempregados
deve crescerdos 12,3 milhõesdo
trimestremóvelaté fevereiropa-
ra 17 milhõesno segundo tri-
mestredesteano. Se confirmado,
seráumrecorde.
Segundoele, a taxa de desem-
pregodeverácrescerpara12,9%no
primeirotrimestreepara16,1%no
segundo trimestre deste ano. Esta
será maiordo que aregistrada no
pior momento do mercado de tra-
balhona recente recessão:13,7%
noprimeirotrimestrede2017.
“No segundotrimestre haverá
perda de ocupações formaise in-
formais. Empresasvão cortar em-
pregadospor causa da recessão e
os informais terão que procurar
emprego,porque estarãosem ren-
da”, diz Duque. “Coma flexibiliza-
ção das medidasde quarentena, o
terceiro trimestrepode ter alguma
melhoradoempregoinformal.”
AMCM Consultorestem um
cenáriode pioraum poucomais
branda.Para ela, o picodo de-
sempregoserá de 12,6%no se-
gundotrimestredesteano. Já o
rendimentomédioreal deverá
recuar1,3% em 2020eficar está-
vel em 2021.“Estasprojeçõesfo-
ram construídassob a hipótese
de recuode 1% do PIB este ano,
com recuperaçãoa partirdo ter-
ceirotrimestre”, detalhaaMCM.
Com a interrupçãode serviços,
a expectativaéque os estabeleci-
mentos (especialmente os de
menorporte,semcaixa)terão
que reduziroquadrode pessoal.
“Outrostantosvêm optandopor
reduzira jornadade trabalhoe a
remuneração, de modoapreser-
var aocupação, o que éuma saí-
da que o governotentaincenti-
var”, detalhaaconsultoria.
A MCMesperaque partedo
ajusteocorrapelo lado das horas
trabalhadas, não estritamente
pelo cortedo emprego.“Comis-
so,medidasalternativasde deso-
cupaçãotendemacaptarainda
mais o impactoesperado no
mercadode trabalho,seelevan-
do maisdo que ataxa de desem-
pregotradicional.”
Umapreocupaçãoparticular-
mentecontinuasendoos traba-
lhadores informais. Segundoo
IBGE,40,8%das ocupaçõesexis-
tentesnopaíssãoinformais—ou
seja,38milhõesdepessoas.
Odiretor-adjunto do Departa-
mentode Pesquisasdo IBGE,Ci-
Fonte:IBGENúmerosdoemprego
Dadostrimestraisda Pnad Contínua
Taxade desemprego- em %
10111213Jan-
Mar12,
12,
12,
12
11,8 11,8 11,
11,11,
1111,
11,
Fev-
AbrMar-
MaiAbr-
JunMai-
JulJun-
AgoJul-
SetAgo-
OutSet-
NovOut-
DezNov/
2019-
Jan/
2020Dez/
2019-
Fev/(^20192020)
Taxadedesocupação
Populaçãoocupada
Populaçãodesocupada
Taxadeinformalidade
Indicador
11,20%
94,4milhões
11,86milhões
41,10%
Set-nov/2019 Dez-fev/
11,60%
93,7milhões
12,24milhões
40,60%
mar Azeredo,afirmouque o confi-
namentoprovocado pela pande-
mia pode gerar, em um primeiro
momento, umareduçãononúme-
ro de desempregadoseda taxade
desemprego. Omotivo éameto-
dologia da pesquisa, queconside-
ra desempregadoquem efetiva-
menteprocuraporumavaga.
“Se a taxa de desocupação
eventualmente cairnas próxi-
masdivulgações,issonãosignifi-
cará,necessariamente, umame-
lhoradomercadodetrabalho.As
pessoas não estãosaindo de casa
paratrabalhar, tambémnão de-
vem sair para procuraremprego.
Existedificuldadede mobilida-
de”,explicouAzeredo.
O diretordo IBGEalertoupara
outro possível fenômeno que
podereduzirataxa de desem-
pregoe ototal de desemprega-
dos no período, odo chamado
“desalento”. Desalentadaéapes-
soa que não procurouemprego
por não acreditarque vai conse-
guir uma vaga,emboraaceitasse
uma se alguémoferecesse.
Como mercadode trabalho
paralisado duranteapandemia,
as pessoaspodem simplesmente
desistir de procurar emprego
por determinadotempo.Desta
forma,ela sairiada forçade tra-
balhoeiria paraainatividade.
Passariao compor,desta forma,
as estatísticas de “subutilização”
—achamadamãode obrades-
perdiçada do país.
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