Linhas e Tramas

(Casulo21 Produções) #1

maestria, naturalmente, surgiu a tensão. A ação ainda exige coordenação motora
fina o que denuncia facilmente o nervosismo. Por causa disso o aprimoramento foi
gradativo, com as repetições de apresentações, já que não bastava técnica e ensaio.
Era algo que ganhava outra dinâmica ao ser feito com a presença do público e em
paralelo a imprevisibilidades.
Ao seguir a contação de pé, sem o panô, surgem os gestos. Como não uso
objeto algum para esta encenação, da mesma forma como ocorre com o quarto
conto, utilizo os “desenhos do ar” para complementar a palavra dita.
A contação de histórias não pretende imitar a realidade e sim sugerir, fazer
o público imaginar, completar com sua bagagem. Os gestos, ações e vozes não são
apresentados de forma naturalista. O exagero de gestos pode levar à banalização
destes, não ressaltando algo de fato importante na narração. Por isso, é preciso estar
consciente de seu emprego.
Meu gestual não é planejado, como um roteiro. Surgiu enquanto praticava a
contação, durante os ensaios e, em alguns casos, em apresentações. O casaco e o
violino são imitados por meio das ações referentes a eles, ou seja, vestir e tocar. Já
a explicação de como Khaim guardou seu dinheiro costurando retalhos no casaco,
é traçada no ar, como uma lousa, com o intuito de ser ilustradora, levando em conta
a presença de crianças na plateia, para quem não torna-se óbvio o feitio de um bolso
aplicado. Assim, o gesto demonstra cada etapa: o retalho quadrado, a agulha com
linha, os pontos feitos no casaco, a costura das três laterais, o formato do bolso, o
dinheiro sendo colocado nele e, por fim, a sutura da quarta lateral. Depois, ao narrar
que a peça de roupa estava cheia de retalhos, uso as mãos em cada parte referente,
como se estivesse vestida com o casaco. Também faço o gesto de pendurar o casaco
de retalhos no gancho da cozinha para, em seguida, do mesmo lugar imaginário,
retirá-lo quando a mulher o entrega ao mendigo.
Nesta passagem da história há uma fala em primeira pessoa do homem que
pede ajuda e optei por dizê-la sem a caracterização total de personagem que fiz com
a velhinha que contava sobre o paradeiro do brocado. Apenas faço uma leve
inclinação do corpo para frente e demonstro uma expressão facial de amargura e
frio. A voz não sofre alterações de timbre e ritmo, apenas de entonação. Importante
aqui é a pausa feita após a fala do mendigo, de cumplicidade com a plateia que já
prevê o que vai acontecer.

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