6 |Valor|Sexta-feira,3deabrilde
não devemos deixar que fechem e depois rea-
bram,quandoacrisetiveracabado?
Valor:O queo senhoracha?
Rajan:Essa acaba sendo uma questão muito
política, porque existemmuitas empresas pe-
quenas e não existe mandato político segundo
oqual se deva deixar que fechem as portas. Por
um outro lado,ocusto de se permitir que uma
empresa grande fecheas portas émaior do que
nocasodeumaempresapequena.
Valor:O senhorconsideraqueassaídassão
medidasfiscais,masos governos terãode enfren-
tarumdéficitmuitogrande.Atéondepodemir
pararesolverquestões comoessas?
Rajan:Os EUA têm um problemadiferente
dos demais países do mundo. Os EUA, ainda
quegastem6%ou7%doPIB,nãoterãooproble-
mafiscalqueaItáliaestátendo. Masmuitosou-
tros países não têm gordura fiscal apontode
poder gastar 10%, 15% de seu PIB sem proble-
mas. Portanto, acho que no momento é extre-
mamenteimportanteestabelecerprioridades.
Valor:Quaisdevemseressasprioridadescom
o dinheiroinjetado?
Rajan:Aprioridade número um éconter a
pandemia, obter os recursos, os testes, as más-
caras,osrespiradores,osequipamentosdepro-
teção. Em segundo lugar, o importante é man-
ter as pessoas vivas. Issoquer dizer que os po-
bres precisam terrecursosmesmoquandopa-
ram de trabalhar,porquese você põe a cidade
ou o Estadoemquarentena, essaspessoas pre-
cisam de recursospara sobreviver. Em terceiro
lugar, é preciso manter as estruturas econômi-
cas necessáriaspara que possa haver cresci-
mentoquandoesteperíodoterminar.Mante-
nha as estruturas funcionando, se elas não pu-
derem ser restabelecidasrapidamente. É fácil
para uma empresa pequena voltar à ativa, mas
empresas maiscomplicadas, empresas de mé-
dio porte com muito capital humano, são mais
difíceisderestabelecer.Porissoéprecisodesco-
brir maneiras pelas quaiselas possam sobrevi-
ver,se possível, concedendo empréstimos, inje-
tando liquidez ou mesmo doações. Essa é a
prioridadenúmerotrês.
Valor:Comoficamas grandes empresas?
Rajan:Éprecisogarantirque os acionistas
assumama maiorpartedoriscoe, casohaja a
necessidadeeapossibilidade de um emprés-
timo, éisso que deve ser feito, nestemomen-
to. Algumas delasterãode declararfalência.
Essa sequência,em minhaopinião,precisa
ser estabelecidaem cada país. Se você definir
essa sequência,talvezconsigaevitarque os
empréstimosfiquemaltos demais,em por-
centagemdo PIB. E isso tambémquerdizer
quequandovocês[oBrasil]oferecemauxílio,
não podem ser tão generososquanto, por
exemplo,osEUAouaEuropa.
Valor:O senhorescreveuquealgunsdos
problemas dacrise financeira globalde
2008 aindanãoforamsolucionadose que
governos, empresase famíliasacumularam
maisdívidase osformuladoresdepolíticas
minarama confiançanosistemaglobalde
comércioeinvestimento. Comoosenhorvê
essesproblemasassociadosa essenovocho-
quedapandemia?
Rajan:A crise os acentua. Um dos grandes
problemas que levaram à crise financeira foi o
alto grau de desigualdade. Eaté certo ponto é
preciso solucionar diretamente a questão da
desigualdade.Depois da crisefinanceira, ten-
tamos desesperadamente estimular aecono-
miaafuncionaratodovaporparaquesecrias-
semmaisempregos.Poisbem:essaeraasitua-
ção antesda crise do coronavírus. Talvez tives-
se dadocerto,mas por causado coronavírus,
nuncasaberemos. Eacrise começounum mo-
mentoemque diversos problemasseavolu-
marammuito.Porissoestamosnumasituação
de maior fraqueza no momento em que o ví-
rus chega. Alémdisso, em alguns países,os in-
divíduosseendividarammaisnesseperíodo,e
por isso também estãobem mais vulneráveis,
devidoaessacargadeendividamento.
Valor:Comoenfrentaressequadro?
Rajan:Precisamos pensarem reformasestru-
turaisquecriemmaisemelhoresempregosnos
países, mas também precisamos garantir que o
principal motor de crescimento não seja uma
política de crédito fácil que leve aum endivida-
mento cada vez maior.No momento, muitos
mercadosemergentesestãotendodificuldades
em virtude de todos os empréstimos que toma-
ramno pós-crisefinanceira,porqueentrou
uma quantidade enorme de dinheiro que ago-
ra quer sair.Depoisdestacrise, nãopodemos
maisumavezquererestimularaeconomiacom
dinheiro fácil de formaindefinidaedeixar as
dívidas acumularem de novo. Se continuarmos
tomando empréstimos,em algummomento o
papelvaiacabar.Precisamospensarnumasolu-
ção,porque parece que, ultimamente, acada
dezanosháumanovacrise.
Valor:Osenhoracreditaqueoimpactoagora
podeserpiordoquedurante a crisefinanceirade
2007 e 2008?
Rajan:Nopiormomento,sim.Estoucomos
dedos cruzados, torcendo para que o setorfi-
nanceiro, ou pelo menosseus principais ele-
mentos —osetor bancário—, sobreviva,em
razão do capital quepossui,e levando em
consideração que esse setor não éoprincipal
responsável pela vulnerabilidade, e sim um
choque inesperadocausado pelapandemia.
[Espero que]apesar do alto grau de alavanca-
gem, esse setor seja capaz de absorver parte
do custo das perdas em empréstimos etc. de
agora em diante. Se isso acontecer,épossível
que as estruturas econômicas, principalmen-
te as financeiras, mas também as empresas da
economia real, sobrevivam ao que esperamos
que sejam os poucos mesesdurante os quais
teremos de fecharas economias para enfren-
tar a pandemia. Quantomais estruturas eco-
nômicas sobreviverem, menor a probabilida-
de de termosumacrise prolongadacomoa
que tivemos em 2007 e2008. Mas, se muitas
empresasquebraremdurante esse período, a
recuperaçãopoderádemorarmuitomais.
Valor:Osmercadosestãobastantevoláteis,
commuitos“circuitbreakers”.Osenhornãovê
riscoaosistemafinanceiro nestemomento?
Rajan:Há riscos, comcerteza, e serão riscos
quenãoestamosprevendoainda.Hásemprea
possibilidade de um “cisne negro”. Mas, dado
ovolume de capital em poderdos bancos, as
entidadescentraisaosistemanestemomento,
em muitos, senão todos os países, parecem ca-
pazesdeatravessar a crise. Muita coisa depen-
de de quanto tempoesta crise vai durar. Uma
quarentena de dois meses ou doismeses e
meioé longa, masépossível sobreviveraela.
Porém, se a quarentena durar maistempo, se
perdurar por dois trimestres, os danosserão
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