%HermesFileInfo:B-8:20200404:
B8 Economia SÁBADO, 4 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Negócios
Na Páscoa da quarentena, projeção é de
queda de venda e já há promoção de ovos
Douglas Gavras
“Que almoço? É a primeira
vez que a gente não vai fazer
almoço de Páscoa”, lamenta
a pensionista Elenir Krupp,
de 69 anos. De máscara, ela só
foi ao supermercado porque
precisava. Parte do grupo de
risco da Covid-19, ela não vê
os quatro netos há três sema-
nas. “Quando dá saudade,
vou até a varanda do aparta-
mento e aceno para o meu fi-
lho ou falo com eles pela inter-
net. Não achava que alguma
coisa poderia nos afastar.”
Na Páscoa da quarentena, o
chocolate é coadjuvante e o al-
moço de família vai virar encon-
tro por Skype. Com a maior par-
te dos brasileiros em isolamen-
to social para conter o avanço
do novo coronavírus, o feriado,
que sempre movimenta os su-
permercados em todo o País, de-
ve ser de retração nas vendas.
É que o medo do desemprego
tem feito as famílias direciona-
rem seus gastos para produtos
básicos de alimentação e higiene
pessoal. Assim, as vendas de cho-
colates e ovos de Páscoa devem
cair 8,5% no Estado de São Pau-
lo, em relação ao feriado do ano
passado. A previsão é da Associa-
ção Paulista de Supermercados
(Apas). Antes da crise, se espera-
va alta de 2,2% nas vendas.
Para a Grande São Paulo, a ex-
pectativa é ainda pior, de que-
da de 10,5% nas vendas ante
2019.
Na casa da cuidadora de
idosos Denise Batista, de
59 anos, não vai ter choco-
late para todo mundo. A
preocupação com o coro-
navírus virou tema princi-
pal. “Nesta época, a gen-
te estaria decidindo o
cardápio do almoço de Páscoa.”
Com a pandemia, ela não pode
trabalhar e ganha metade da re-
muneração de antes. “O presen-
te do meu neto vai ser um Kin-
der Ovo.”
Segundo pesquisa do Google
com mil consumidores, ela não
está sozinha: 7 em cada 10 brasi-
leiros vão mudar algum hábito
nesta Páscoa – 12% deles devem
deixar de comprar chocolate e
9% não irão almoçar em família.
Com mais gente em casa, as bus-
cas por termos como “receitas
de ovos” e “como fazer ovos de
Páscoa” também aumentaram.
Em casa. Entre os supermerca-
distas, a expectativa é que as
vendas melhorem na próxima
semana. Na rede de supermer-
cados Hirota, já há promoções,
na linha “leve quatro e pague
três”, e descontos de até 50% na
compra do segundo ovo. A em-
presa deve oferecer mais des-
contos nos dias que antecedem
o feriado, no próximo dia 12.
Já as fabricantes de chocolate
reconhecem que o momento é
de orçamento doméstico aper-
tado, mas avaliam que toma-
ram medidas suficientes para
evitar perdas de produtos. Se-
gundo a Lacta, foram reforça-
dos os investimentos nos ca-
nais tradicionais de compra e
no e-commerce. Com a epide-
mia, a empresa também relan-
çou uma loja virtual própria.
“Investimos também nos apli-
cativos de venda delivery.”
A gaúcha Neugebauer lembra
que os contratos para a Páscoa
foram fechados antes das medi-
das de isolamento social e que a
preocupação maior agora é que
a reposição dos produtos no su-
permercado demore mais que o
normal. “Até agora, porém, não
houve impacto no consumo”,
diz o diretor, Sérgio Copetti.
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Ana Paula Boni
Lojas fechadas por conta do no-
vo coronavírus levaram em-
preendedores de todos os ra-
mos a apostar em vendas online
e delivery. No caso de pequenas
e médias marcas de chocolate
bean to bar (de DNA artesanal,
sem a lógica de produção da
grande indústria), ovos de Pás-
coa estão sendo levados a qual-
quer canto da cidade de São Pau-
lo com frete grátis para tentar
salvar a produção.
Além disso, a comunicação
tem se ampliado, envolvendo
não só as vendas pelo site das
marcas e por aplicativos como
Rappi, como também por What-
sApp e mensagens via e-mail ou
pelo Instagram. Tudo para al-
cançar o cliente nessa reta final
de 10 dias da data, que tradicio-
nalmente são os mais fortes pa-
ra venda de ovos de Páscoa. Ain-
da assim, é esperada queda de
até 70% no faturamento.
A marca Dengo, que possui 18
lojas no País – 8 na capital paulis-
ta –, sofreu o impacto da restri-
ção de circulação desde o fim de
semana do dia 14 de março.
“Desde o domingo dia 15 a gente
já percebia o decréscimo de flu-
xo. No dia 20 não abrimos mais.
E a gente acredita que não é
com o fim do decreto que o con-
sumidor vai sair à rua em segui-
da. Não acreditamos num retor-
no imediato”, afirma Estevan
Sartorelli, CEO da Dengo, que
usa cacau especial do sul da Ba-
hia para produzir chocolate na
fábrica em São Paulo. Ela está
parada, assim como o plano de
abrir novas lojas este ano.
Para abastecer as lojas para a
Páscoa, a Dengo já tinha pelo
menos 70% do estoque nas pra-
teleiras. Agora, está tentando
ampliar a participação das ven-
das online no faturamento (ho-
je de apenas 2%), entregando
com frete grátis. As compras de
ovos podem ser feitas pelo site
da marca, via Rappi e iFood, e
por meio de uma conta nova de
WhatsApp. Ainda assim, a mar-
ca trabalha com uma quebra no
faturamento da Páscoa de no
mínimo 30% e no máximo 70%.
“Não deu tempo para ninguém
se planejar”, diz Sartorelli.
Empórios. Para marcas meno-
res, que dependem mais da Pás-
coa do que a Dengo, o impacto
pode ser maior. No caso da Gal-
lette, a Páscoa responde por cer-
ca de 50% do faturamento
anual da empresa. Após ter do-
brado o quadro de funcionários
para atender o volume de pedi-
dos, a empreendedora Gislaine
Gallette teve de recuar e a fábri-
ca está parada desde o dia 23.
Foi o tempo de entregar pedi-
dos já encomendados por empó-
rios, para os quais Gislaine ven-
de o ano todo, além de sua loja
na zona norte da capital. “A gen-
te já fez todas as entregas, agora
está na expectativa para que
eles vendam, para a gente poder
receber lá na frente.” A venda
online ajuda, mas segundo a
chocolateira não é para ter lu-
cro, “e sim para pagar parte dos
investimentos já feitos”.
A marca Mestiço, do chocola-
teiro Rogerio Kamei, colocou à
disposição também um e-mail
para as vendas, além dos conta-
tos via redes como Facebook e
Instagram. Com a fábrica em
São Paulo fechada, o próprio Ro-
gerio, que cultiva seu cacau no
sul da Bahia, tem feito as entre-
gas na capital. Ele diz que o can-
celamento de feiras entre mar-
ço e começo de abril afetou a
expectativa para a Páscoa e o
fez reduzir a produção. A previ-
são era fazer de 400 a 450 ovos,
mas ele conta ter feito 70, uma
parte já vendida.
l Sem festa
Segundo pesquisa feita pelo Google com mil consumidores, 7 em cada 10 brasileiros vão mudar algum hábito na data: 12% deles devem
deixar de comprar chocolate e 9% não vão almoçar em família; previsão de supermercados é de recuo de 8,5% nas vendas ante 2019
“Nesta época,
a gente estaria
decidindo o
cardápio do
almoço de
Páscoa.”
Denise
Batista
CUIDADORA
l Impacto
Marcas de chocolate fazem frete
grátis para tentar salvar a data
HÉLVIO ROMERO / ESTADÃO–18/9/2019
Ainda assim, alguns
negócios esperam
queda de até 70% no
faturamento por conta
do isolamento social
“Desde o domingo dia 15
(de março) a gente já
percebia o decréscimo de
fluxo. No dia 20 não
abrimos mais. E a gente
acredita que não é com o
fim do decreto que o
consumidor vai sair na rua
em seguida.”
Estevam Sartorelli
PRESIDENTE DA DENGO
Golpe profundo. Coronavírus estragou vendas da Páscoa
FOTOS TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO
Necessidade. Parte do grupo de risco, Elenir tem evitado ir ao supermercado