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O ESTADO DE S. PAULO SÁBADO, 4 DE ABRIL DE 2020 Internacional A
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Governo demorou a decretar isolamento, que não foi respeitado, e negligenciou doença; presidente Lenín fala em ‘rede de notícias falsas’
Paulo Beraldo
Só atrás do Panamá como
pais mais afetado pelo coro-
navírus na América Latina,
com 8 mortes por milhão de
habitantes, o Equador regis-
trava ontem 3.368 casos e 145
óbitos por causa da covid-19.
A demora em adotar medidas
de restrição de circulação e a
negligência no trato da pande-
mia, que se espalhava rapida-
mente, explicam a calamida-
de pela qual passa o país.
O pior cenário está em Guaya-
quil, cidade mais populosa do
Equador, a 400 quilômetros de
Quito. Com 2,6 milhões de habi-
tantes, comércio dinâmico e en-
dereço frequente de voos inter-
nacionais, as autoridades demo-
raram para levar a sério a pande-
mia que já atingia China, Itália e
Espanha.
“As autoridades falavam que
era só uma gripe, estimulavam
o pessoal a ir trabalhar porque o
país precisava”, afirmou o médi-
co Carlos Erazo, professor da
Escola de Medicina da Pontifí-
cia Universidade Católica do
Equador. “Ninguém sabia o que
era esse vírus, como ele se de-
senvolveria e sua a gravidade.”
Nos últimos dias, o país foi to-
mado pelo medo, com corpos
cobertos com plásticos espalha-
dos pelas ruas. O necrotério mu-
nicipal está cheio e o governo
trabalha para criar uma força-ta-
refa para a crise. Entre domingo
e quinta-feira, foram removi-
dos 150 corpos das residências.
“As funerárias não estão reti-
rando os corpos porque estão
fechadas. Ninguém quer tirar
os cadáveres porque as pessoas
estão com medo de se infectar.
Não tem como comprar caixão,
não tem médico para fazer a au-
tópsia e os parentes tiram os ca-
dáveres de casa”, disse Erazo.
Os hospitais estão lotados. As
filas são enormes e, para piorar,
muita gente está com medo de
ir até os postos de saúde para
tratar de outras doenças consi-
deradas “curáveis”. Pesa contra
Guayaquil, que concentra 7 em
cada 10 casos de coronavírus no
país, a forte migração de equato-
rianos que foram viver na Espa-
nha e na Itália e voltam todos os
anos para visitar as famílias, en-
tre dezembro e fevereiro.
Isolamento. A primeira pa-
ciente detectada com corona-
vírus chegou ao país em 14 de
fevereiro e teve o diagnóstico
confirmado 15 dias depois. O
isolamento social só foi deter-
minado em 14 de março, mas
ainda assim foi desrespeitado.
Lojas abriram, houve casamen-
tos, parques podiam ser fre-
quentados e houve eventos pú-
blicos. As pessoas continua-
vam circulando.
“Não houve controle nos ae-
roportos, demorou a haver iso-
lamento, nem todo mundo le-
vou a sério”, afirmou a deputa-
da Cristina Reyes. “Foi uma ca-
deia de erros até chegarmos a
esse desastre.”
O governo disse que obrigará
as funerárias a trabalhar e garan-
te que as acusações de negligên-
cia vêm de “uma rede que tenta
produzir notícias falsas para
criar medo e causar caos”, con-
forme informou o jornal El Co-
mercio. “Não vamos ecoar notí-
cias falsas que têm intenção po-
lítica”, escreveu o presidente
equatoriano, Lenín Moreno, no
Twitter.
MARCOS PIN / AFP
Reação tardia explica caos no Equador
Sem saída. Corpo em frente
a hospital de Guayaquil