National Geographic - Portugal - Edição 229 (2020-04)

(Antfer) #1

GUIA DO OPTIMISTA | ONDE ESTAREMOS EM 2070?


Segundo o relato de Paul Avery, repórter do “San Francisco Chronicle”, o Maverick
“foi empurrado até à baixa de San Jose, num desfile liderado por três pastores, a
banda da faculdade e um simpático grupo de alunos e alunas que usavam vestidos
verdes semelhantes a mortalhas”.
A minha mãe lembra-se bem desses vestidos, mesmo passados 50 anos. Nesse
dia, os estudantes mostravam-se preocupados com a poluição da água e com a
expansão demográfica, bem como com a poluição atmosférica, mas a minha mãe
sentia-se optimista. “Eu achava que, quando fosse necessário, os seres humanos
fariam o que tinham de fazer”, afirma. E, num certo sentido, assim o fizemos: nos
EUA, os automóveis são 99% menos poluentes do que
eram naquela altura, graças às leis contra a poluição.
Eu não herdei o talento da minha mãe como costu-
reira. Aos 41 anos, ainda lhe levo as minhas roupas para
arranjar, mas partilho o seu optimismo e, nos dias que
correm, há novas estratégias a desenvolver.
Após 15 anos a escrever reportagens sobre o ambien-
te para publicações científicas e populares e um livro
sobre o futuro da conservação, ainda me sinto frequen-
temente esmagada pela teia de problemas que enfren-
tamos: alterações climáticas, extinções de plantas e ani-
mais, injustiça ambiental generalizada. São todas mais
difíceis de resolver do que as nuvens da poluição.
O que me dá esperança? Já dispomos do conheci-
mento e da tecnologia de que precisamos para alimen-
tar uma população maior, fornecer energia a todos,
começar a inverter as alterações climáticas e evitar a
maior parte das extinções. O desejo de acção por parte
do público está a manifestar-se nas ruas. Em Setembro
de 2019, cerca de seis milhões de pessoas em todo o
mundo aderiram à “greve climática”. Tal como em 1970,
estão novamente em jogo mudanças de atitude impor-
tantes. Acredito que iremos criar um bom 2070.
Não vai assemelhar-se a 2020, nem a 1970. Não pode-
mos desfazer aquilo que já está feito: não conseguimos
recuar no tempo. A mudança ecológica, económica e
social é inevitável. Vamos perder bens que amamos: espécies, lugares, relações
com o mundo que duraram milénios. Em parte, essa mudança será difícil de pre-
ver. Os ecossistemas serão modificados e algumas espécies vão evoluir.
Nós também vamos mudar. Muitos de nós aprenderemos a vermo-nos de ma-
neira diferente, como uma espécie entre outras, fazendo parte da natureza e não
agindo contra ela. Prevejo que olharemos para trás, para a transição do século XX
para o século XXI, como um momento doloroso, turbulento, durante o qual a hu-
manidade aprendeu a prosperar através de relacionamentos positivos entre os
seres humanos e com as espécies que nos rodeiam.

O NOSSO MAIOR DESAFIO É o combate às alterações climáticas. Se nos parecem
agora inultrapassáveis é, em parte, porque nós, enquanto indivíduos, não somos
capazes de travá-las. Mesmo que fôssemos consumidores ecológicos perfeitos (recu-
sando-nos a andar de avião, reutilizando os sacos das compras, tornando-nos vegan),
estaríamos presos numa armadilha. Para vivermos, precisamos de comer, de nos
deslocarmos para o trabalho, de nos mantermos quentes no Inverno e frescos no
Verão para conseguirmos trabalhar e dormir. Por enquanto, é impossível fazer tudo
isto na maior parte dos lugares sem emitirmos carbono.

Um exemplo
Semanas antes do Dia da
Terra, em Fevereiro de 1970,
estudantes da Faculdade
Estadual de San Jose
compraram um jipe novo,
empurraram-no até ao centro
da cidade universitária e
enterraram-no 3,5 metros
abaixo do solo. A cerimónia
foi uma manifestação contra
a poluição atmosférica,
integrando-se numa “Feira
da Sobrevivência”, que durou
uma semana e deu origem
a um dos primeiros
departamentos de estudos
ambientais do sistema
universitário dos EUA.
STAN CREIGHTON, SAN FRANCISCO
CHRONICLE/POLARIS
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