O Estado de São Paulo (2020-04-05)

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B8 Economia DOMINGO, 5 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


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Bruna Arimathea
Bruno Romani
Bruno Capelas


Em vídeos de 15 segundos, Le-
tícia Gomes, de 25 anos, é ca-
paz de se transformar em fa-
mosos como Fátima Bernar-
des e Silvio Santos. O disfarce
tem um tanto de maquiagem
e outro tanto de tecnologia.
Isso porque as imagens são
gravadas, editadas e publica-
das num só aplicativo: o da re-
de social chinesa TikTok. Na
plataforma, cheia de filmetes
ágeis e animados, Letícia tem
mais de 3 milhões de seguido-
res. Está longe de ser um caso
isolado: no Brasil, vários cria-
dores de conteúdo da rede
(os “tiktokers”) têm público
na casa de sete dígitos, em
uma amostra da popularida-
de do app por aqui – e que já
preocupa gigantes das redes
sociais, como o Facebook.

“Meu propósito não é ensi-
nar as pessoas a se maquiar,
mas sim entreter”, diz Letícia,
que fatura R$ 10 mil por mês
com suas criações. Ela também
tem canais no Instagram e no
YouTube, mas a maior parte do
que ganha vem do TikTok.
Além de maquiagem, seus ví-
deos também têm danças e de-
safios de dublagem e coreogra-
fia, muito populares no app.
Pioneira, a paulistana está na
rede desde 2017, quando ela ain-
da se chamava Musical.ly – app
americano que foi comprado pe-
la chinesa Bytedance e deu ori-
gem ao TikTok, que soma hoje
500 milhões de usuários. Já a
Bytedance, avaliada em US$ 75


bilhões, vale mais que o dobro
de Twitter e Snapchat juntos.
Segundo Letícia, o movimen-
to na rede nunca foi tão alto. A
percepção não é só dela: em tem-
pos de distanciamento social,
com mais gente em casa, a procu-
ra por distração aumentou. Glo-
balmente, as buscas pelo TikTok
no Google cresceram 66% no
mês de março. Aqui no Brasil, o
interesse pelo app triplicou.
As pesquisas se converteram
em downloads: entre setembro
de 2019 e março de 2020, o núme-
ro de vezes que o TikTok foi bai-
xado no Android (usado por 9 en-
tre 10 celulares do País) subiu
700%, segundo a consultoria Ap-
pAnnie. Se ainda é difícil saber co-
mo será o mundo pós-coronaví-
rus, analistas concordam em
uma coisa: o TikTok deve ficar
ainda maior depois da pandemia.

Estratégia. Parte da força do
TikTok está em sua própria pro-
posta, com vídeos curtos e ferra-
mentas de edição espertas – ten-
dência da internet nos últimos
anos, lançada por apps como o
Snapchat e copiada por Face-
book e Instagram. Diferentemen-
te do Snap, porém, o TikTok sou-
be se apoiar na música para se
catapultar. “Foi uma conexão
que ajudou o app no mundo to-
do. Hoje, muitos desafios são
criados por cantores e gravado-
ras que querem promover poten-
ciais hits”, diz Edney Souza, dire-
tor acadêmico da Digital House e
especialista em redes sociais.
Ao crescer, o TikTok também
começou a ser divulgado em ou-
tras redes. E como todas as ima-
gens levam uma marca d’água
da rede, o app viraliza com suas
criações mais populares. De
quebra, também expandiu hori-
zontes e faixas etárias – embora
dois terços dos usuários do Tik-
Tok ainda tenham menos de 30
anos.
Mas não basta só o conteúdo.
A forma como ele chega ao usuá-
rio também é importante. Aí,
aparece o algoritmo usado pela
rede, calibrado para entender in-
teresses do usuário e sugerir
mais vídeos do que ele gosta. “É

um algoritmo que não foi feito
para promover a informação,
mas sim o tempo de uso do apli-
cativo”, diz Fabro Steibel, dire-
tor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade (ITS).
Estrategicamente, a empresa
também soube costurar parce-
rias com grandes marcas – algo
que não só rende dinheiro, mas
notoriedade. Lá fora, grifes co-
mo Sephora e Calvin Klein têm
contratos com o TikTok, bem co-
mo ligas esportivas como a NFL
(futebol americano) e a La Liga
(Campeonato Espanhol de fute-
bol). Essa proximidade das mar-
cas ainda está começando aqui
no Brasil, onde a empresa já fez
grandes campanhas com Havaia-
nas e Guaraná Antarctica – nesta
última, a marca pagou para in-
fluenciadores criarem vídeos di-

vertidos com sua latinha verde.
Para Isabela Ventura, presi-
dente da agência de marketing
Squid, focada em influenciado-
res, “é questão de tempo para
isso crescer, até porque foi um
movimento que começou no
fim de 2019”. Foi mais ou me-
nos nessa época que a empresa
cresceu no Brasil. Há um ano,
tinha cerca de 15 funcionários.
Hoje, não revela números, mas
uma pesquisa no LinkedIn mos-
tra ao menos 40 profissionais
atrelados à rede no País, além
de seis vagas abertas por aqui.

Desafios. Em sua expansão glo-
bal, o app tem uma série de desa-
fios. Nos EUA, o TikTok é acusa-
do de espionagem pró-Pequim.
Já foi alvo de um projeto de lei
para proibir que funcionários fe-
derais usem a plataforma. No
Brasil, a questão ainda não foi
colocada em pauta, mas pode
virar obstáculo futuramente.
A popularidade entre os jo-
vens também faz o app preocu-
par pais e autoridades. A empre-
sa faz o que pode para evitar con-
teúdo impróprio ou ataques. “A
segurança dos usuários é priori-
dade no TikTok. Os usuários de-
vem atender aos requisitos de
idade mínima para usar o Tik-

Tok e, caso haja irregularida-
des, removemos suas contas”,
explica Rodrigo Barbosa, geren-
te de comunidade do TikTok.
O desafio maior, porém, será
a relevância, sem seguir o cami-
nho do Snapchat, que perdeu o
rumo e foi copiado pelo Face-
book. Para Steibel, a entrada
das classes C e D no aplicativo
pode diferenciá-lo do rival ame-
ricano, focado em interações
menos abertas e voltadas para
classes mais altas da população.
Além disso, o TikTok precisa
se preocupar com o Facebook.
Em 2019, o app teve mais down-
loads que a rede social e tam-
bém que o Instagram, segundo
a consultoria SensorTower. O
feito colocou os chineses na mi-
ra da empresa de Menlo Park.
“Eles são enormes e estão cres-
cendo muito rapidamente,
mais rápido do que nós fize-
mos”, disse no mês passado
Sheryl Sandberg, diretora de
operações e n.º 2 da rede social.
O Facebook até já lançou no
México uma cópia do TikTok –
o Lasso, que não decolou. Já o
YouTube, que também luta pe-
lo coração dos influenciadores,
pode lançar até o fim do ano um
rival para o chinês, cujo nome
de projeto até aqui é Shorts
(“curtas”, em tradução literal).
Na visão dos especialistas, po-
rém, o TikTok tem boas chan-
ces para ter um final diferente
do Snapchat. “O TikTok é todo
pensado para celular e, quando
chegou para a disputa no Oci-
dente, já era gigante”, diz Stei-
bel. “É certo que ele vai ficar?
Não sabemos. Mas os indícios
são muito bons.”

Disfarce. Vídeos de Letícia
no TikTok mostram
transformações em Fátima
Bernardes e Silvio Santos

LETICIA GOMES/TIKTOK

LETICIA GOMES/TIKTOK

E


studante de Arquite-
tura e Urbanismo, a in-
fluenciadora Camilla
Pudim começou sua carreira
no YouTube. As dicas de ma-
quiagem de seu canal, o Ba-
tom Atrevido, a levaram a ter
mais de 3 milhões de inscri-
tos na rede. Com o tempo,
porém, os seguidores tam-

bém começaram a pedir que ela
migrasse para o TikTok – o que
fez com que ela virasse um dos
maiores nomes do app chinês
no País. Na rede, porém, ela di-
versificou a produção de con-
teúdo: não tem só vídeos de ma-
quiagem, mas também de hu-
mor e, como a rede anda numa
onda de coreografias, ela dança

conforme a música.
“Hoje, eu sei que a maior pla-
taforma que eu tenho é o Tik-
Tok. Recebo muitos comentá-
rios em outras redes pelo meu
conteúdo lá”, diz. Ela também é
um símbolo da popularidade
crescente da rede: em dezem-
bro de 2019, Camilla bateu a
marca de 1 milhão de seguido-
res. Apenas três meses depois, a
influenciadora já tem mais que
o dobro de fãs dentro da plata-
forma.
Apesar da grande visibilidade
com seu conteúdo de humor,
Camilla conta que, em casa, te-
ve de explicar aos pais que os
vídeos eram mais do que uma

brincadeira na internet.
Graduanda em Arquitetura e
Urbanismo, a influenciadora
pensou em parar os estudos pa-
ra focar apenas no conteúdo na
internet.
“Eles ficaram preocupados,
eu entendo. Decidi continuar
na faculdade porque era impor-
tante para eles também”, diz.
Hoje, a questão está pacificada.
“Quando comecei a ganhar di-
nheiro com a plataforma, eles
foram entendendo que o meu
trabalho trazia frutos. Hoje, eu
ajudo e já pago várias contas
em casa, inclusive.”
E o que garante o traba-
lho de Camilla também é

o principal motivo pelo qual
a goiana acredita que o Tik-
Tok não será uma platafor-
ma passageira. A diversifica-
ção de temas permite que
suas publicações envolvam
comédia, maquiagem e dan-
ças, por exemplo, alguns dos
assuntos mais comuns entre
seus vídeos no app.
“O grande diferencial do
TikTok é essa pluralidade,
tanto de conteúdo quanto de
público, porque isso permite
criar coisas muito diferen-
tes. Você entra na platafor-
ma e não vê só um tipo de
conteúdo. Isso é muito atrati-
vo.” / B.A e B.R.

WERTHER SANTANA/ESTADÃO

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SUCESSO QUASE FEZ


LARGAR FACULDADE


l Viciante

Em alta, TikTok ameaça


gigantes das redes sociais


l Força

Troca. Após começar no
YouTube, Camilla ficou
‘pop’ com app chinês

Batom Atrevido

Com 2,1 mi de fãs, Camilla é estrela no TikTok


“O TikTok tem um
algoritmo que não foi
feito para promover a
informação, mas sim o
tempo de uso do
aplicativo.”
Fabro Steibel
DIRETOR DO ITS

Na crista da onda. Com vídeos curtos, desafios de dança e humor, app chinês tem crescido muito nos últimos meses e vê pico de


downloads durante a quarentena; sucesso rende milhões de fãs a produtores de conteúdo e faz Google e Facebook se preocuparem


500 milhões
é o número de usuários do Tik-
Tok no mundo, diz a empresa

700%
foi a alta em downloads do app
no País entre setembro e março

CAMILLA PUDIM/BATOM ATREVIDO

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