Quintaesexta-feira,9e10deabrilde2020|Valor| 23
Hertz: “Pedimos às
empresas quenos
ajudem cominsumos
e dinheiro para
compra demarmitas
e gás. Te nhovisto
muitasolidariedade
comfamíliasmenos
favorecidasqueestão
precisandodetudo”
dadetem sido de 69% nos últimosdois anos.
Era80%ecaiuporcausadodesemprego.”
A Gastromotivanasceuna casa de Hertz,
com apoioda Artemísia,uma das primeiras
ONGsafomentarnegóciosde impactoso-
cial no país,ecom um dinheiro“semente”
que ele ganhava comoprofessorde cozinha
asiáticanas universidadesAnhembiMo-
rumbieSenac.O primeiropassofoi a cria-
ção de um bufê com cozinheirosformados
na favela do Jaguaré,que faziamde casa-
mentosna comunidadea eventoscorpora-
tivosparaempresascomoaReebok.
Comotodosos projetosdo empreende-
dor,aGastromotivafoi frutode um proces-
so de autoconhecimento,que começou na
juventude. Depois de viverno kibutz,ele
passouumatemporadana Índiaeacabou
por descobriuo prazerda cozinhaem To-
ronto,noCanadá,entregandopratos.
Sua vivênciamaisradicalnessatrilhafoi
há cincoanosem Piracanga, uma praiade-
sertapertode Itacaré,sul da Bahia.Foram
21diasderetiro,numaexperiênciaintitula-
da Caminhodo Amor.Sete sem falar,sem
comerou beber. Mais sete dias só ingerindo
líquidos.Confrontado com oestranhamen-
to que ela provoca,ele sorriu.“Foi uma pau-
sa, um ‘turningpoint’. Precisava entender
profundamente minhahistóriaedescobrir
por que encontrei no conceitode negócio
socialumavisãodefuturo.”
Oretiroem Piracanga,de algumamanei-
ra, foi consequência de um cursofeitoem
2014 na HarvardKennedySchool,em Bos-
ton, Young Global Leader: GlobalLea-
dershipand PublicPolicy for the 21st Cen-
tury(JovemLíderGlobal:LiderançaGlobal
ePolíticasPúblicasparaoSéculoXXI).Nela,
durantedez dias foramreunidos70 empre-
endedores, de maisde 40 países,que foram
designados“jovenslíderesglobais”.
EntreosparticipantesestavamPeterLacy,
diretor-geralparaa Europada empresade
consultoria Accenture Strategy, e Lewis
Pugh,nadadorderesistênciaeambientalis-
ta. “Havia muitascoisasem comumentre
todosnós, e semprealguma conversafazia
com que agente se visseno outro. Um dos
feedbacksque recebifoi bem claro:‘Vai tra-
balharum poucomaisa relaçãocomteu
pai, tua história’. Me dei contade que estava
procurandouma reconciliaçãocom minha
família,comminhaorigem”.“Eutinhaidoa
Piracangaemtemporadascurtaseconhecia
bem aportuguesa AngelinaAtaíde,criado-
ra do InstitutoInkiri,que faziaessesretiros.
Aípensei:chegouminhahora”, diz.
Aprocuraespiritualcomeçouna Índia
com ioga ebudismoeseguiucom precei-
tos da filosofia de Rajneesh Chandra
MohanJain (1931-1990),maisconhecido
comoOsho, que havia sido gurudos Bea-
tles e de uma legiãode hippies.“Pegueial-
go de cadacoisaem algummomentoda
vida.Filosofia,religião, prática. Não sou re-
ligioso, estoupresente. Hoje,me sintonum
novoespaço:me cureide muitacoisaque
carreguei,descobriaimportânciada natu-
reza,sou um mix de tudo. Agoraestouex-
plorandoo xamanismo”, diz. “O LivroTibe-
tanodo VivereMorrer”, de Sogyal Rinpo-
che, é uma de suas leiturasde cabeceira.
No kibutz,moroupor seis mesescom 40
pessoas.“Era um ‘Big Brother’. Ali fui muito
inspiradoair para Índia,porquemeuspais
adotivosno kibutzeramjudeusindianos.
Ia na casa delestodasas sextasparajantar
efui aprendendo. Não conhecianadado
Oriente,da Ásia,só sabiaque tinhahavido
uma guerrano Vietnã.”
Aí aconteceu aprimeira virada: decidiu
que não voltaria ao Brasil antes de mochilar
na Índia. “Cara, perdiminhapassagemde
volta.Para juntar grana,trabalhei comoca-
mareiro numhotel em Israele, também, na
construção civil comogesseiro. Pensei: ‘Eu,
classemédia,aquimesubmetoaisso.NoBra-
sil, nunca: pelo que vocêganha,pelo estig-
ma,pelaeducação,pelasoportunidades’.”
Oprimeirodestinofoi a Tailândia,de-
pois VietnãeChina.Conheceuumacana-
dense,apaixonou-se e ficouum ano na Ín-
dia. “A Kristaera muitomaisvelhado que
eu e, com ela, entreino autoconhecimento.
Conhecio dalai-lama,fiqueina Caxemira,
fui paraVaranasiemorei dois mesesnum
quartona beirado rio Benares.Eu tinha 20
anose estava muitomaluco.”
Depois viveucom Krista em Torontoecozi-
nhava todas as noites.Ficouenlouquecido
com gastronomia, algo que aindanão existia
noBrasil.“NoCanadáaprendiquenãoimpor-
ta com o que você trabalha, o que importaé
tuadignidade.LávocêtrabalhacomoaTiaNi-
ce daquiepode passear no fim de semana
com a família, tirarférias,comprar um smart-
phoneecontarcomogovernoparasaúde,au-
xíliomoradia,educação.Aqui,não.”
Na voltaparaoBrasil,em 1999,acabou
por descobrir sua vocaçãoparaacozinha
comoauxiliarnos eventosdo Fasanoe co-
mo saladeiroe confeiteirono Café Bistrot,
comandadopor DanielleDahoui.Aexpe-
riênciao levoua cursara primeiraturma
de gastronomiana faculdadedo hotel-es-
cola Senac,em Águasde São Pedro (SP). Já
formado, participoudaaberturado Café
SantoGrão,de ondesaiu decididoa mon-
tar um restauranteindiano.
Para obter recursos, foi procuraropai. “Eu
buscavaaverdadedomundo,masnãoeraho-
nestocomigo. Foiaí que falei paraomeu pai
que não assumiria seu negócio. Ele diz que
não tinhajogose eu não casasse com uma
mulher judia. Então falei: ‘Ok, tô fora,vou ser
independente’. E saí do armário. Sempre tive
muitomedode me assumir. Viviacom medo
de ser quemeu era. Quandoassumi,parece
quetudocomeçouadarcerto.”
Na favela,Hertzconheceuodramade
quempassoufome,viu vidasmachucadas
pela falta extremade afetoe se emocionou
Canal Unico PDF - Acesse: t.me/jornaiserevistas SILVIA COSTANTI/VALOR