42 ADEGA >> Edição^163
Um dos mais respeitados enólogos
chilenos, Aurelio Montes não é adepto
de muitas das práticas atualmente em
voga na enologia. Um exemplo é o uso de
leveduras selvagens (nativas), quase um
dogma para os defensores dos chamados
vinhos naturais. Ele diz que gosta de
iniciar a fermentação com leveduras
nativas, mas, depois, prefere reinocular
o mosto com leveduras comerciais por
serem mais eficazes para completar a
fermentação. E sua apreciação geral dos
vinhos naturais, feitos com o mínimo
de intervenção no processo, não é das
mais elogiosas. “São vinhos que nascem
muito débeis, com pouca longevidade,
que se oxidam muito rápido”, constata. E
acrescenta: “são vinhos de cor alaranjada
ou amarelo forte e perdem o caráter
varietal que lhes dá origem”. As críticas
não param por aí. “É comum encontrar-
se vinhos defeituosos, com acidez volátil
muito alta e oxidação muito forte, de modo
que o aroma oxidado predomina sobre o
da variedade”. A conclusão vem com uma
dose de ironia: “creio que esse era o vinho
romano, bebido há 2000 anos, na época
de Cristo”.
Ele admite que há um nicho para esses
vinhos, mas ainda limitado aos veganos e
às pessoas muito radicais em seus hábitos.
“Talvez daqui a 50 anos seja o vinho que
todo mundo vai beber”, acrescenta. “Mas,
hoje, com o desenvolvimento tecnológico
que permite produzir vinhos muito bem
feitos, com cores limpas, aromas perfeitos
e caráter varietal muito puro, esses naturais
são uma raridade. De alguma forma
refresca a indústria, mas não creio que seja
o futuro”.
Quanto aos princípios da biodinâmica,
ele diz que “tem muito respeito por ela”,
mas observa que não basta ser orgânico
ou biodinâmico e, no final do mês, pagar
mal as pessoas. O futuro do mundo,
na sua visão, é a sustentabilidade, que
incorpora em parte o orgânico. Mas ser
sustentável, para ele, é mais do que
“não usar pesticidas e recorrer à energia
cósmica. Tem que pensar nas pessoas e
pagar os salários no fim do mês”. Mesmo
reconhecendo que é um pouco duro dizer
isso, conclui: “a empresa tem que ser
rentável”.
“NATURAIS, BIODINÂMICOS E SALÁRIOS EM DIA”
Amayna. E continua a prestar consultoria a duas
vinícolas, pela relação de muitos anos com seus
proprietários: Koyle e Viu Manent.
Aurelio tem quatro filhos vivos (Matias, o mais
moço, morreu há dois anos). São três mulheres e
um homem, que recebeu o nome do pai e do avô
(o primeiro Aurelio trabalhava com seguros e só
bebia vinho nos almoços familiares de domingo).
As filhas mulheres são casadas, não trabalham na
empresa e, como diz o pai, “vêm aos domingos
para almoçar e atacar minha adega”.
De seus 19 netos, um, hoje com 10 anos, tem
o mesmo nome do bisavô, do avô famoso e do
pai, conhecido como Aurelio “Junior” (os chile-
nos, seguindo a tradição espanhola, têm sempre
os sobrenomes do pai e da mãe, nessa ordem).
Atualmente, Aurelio Junior é o enólogo-chefe
da Montes, depois de ter comandado a Kaiken,
sempre com o pai “olhando por cima do ombro”,
como o próprio reconhece. Obviamente, Aurelio
“Senior”, cujo sobrenome completo é Montes
Baseden, mostra-se orgulhoso com a perpetuação
do nome familiar. Mas não deixa de reconhecer,
com característico bom humor, que o ainda jo-
vem Aurelio IV enfrentará muita pressão por
conta do que carrega. “Imagina se ele resolve ser
médico...”.
coincidir com o do enólogo que assinava os vi-
nhos como também porque as montanhas, parte
essencial da paisagem chilena, estavam presen-
tes no desenho dos rótulos) produz 9 milhões de
garrafas no Chile e mais 3 milhões na Argentina
(Kaiken). Em ambos os casos, 95% da produção
é exportada para mais de 100 países, que hoje
incluem não apenas nomes conhecidos como Ja-
pão, maior mercado da Montes, Estados Unidos
e Inglaterra, mas também surpreendentes, como
Laos e Camboja (a Ásia responde por 40% das
vendas).
Dos fundadores, além de Aurelio, apenas
Pedro Grand continua vivo (Vidaurre morreu
em 2008 e Murray, em 2010), embora tenha-se
desligado da empresa no início dos anos 2000.
Aurelio é presidente e CEO, mas seu cartão de
visitas diz apenas “Guardián del Espíritu”, ex-
pressão cunhada por Murray, que decidiu adotar
após a morte do sócio e amigo. Nesses 30 anos, a
Montes foi a primeira a explorar o vale de Apalta
e a plantar videiras em suas encostas, apostando
em uvas como a Syrah, sem qualquer tradição no
Chile, hoje consagrada em vinhos como o Folly
e outros. Aurelio controla apenas 30% do capital
da empresa. O restante está em mãos de outros
acionistas, como a família Garcés Silva, dona da
Segundo Montes,
a variedade
emblemática do
Chile continua a ser a
Cabernet Sauvignon,
um “rei sem coroa”
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