[UP!] Adega - Mai19

(Pinheirojpa55) #1

Edição 163 >> ADEGA 41


“ALÉM DO LIMITE”


lugar da terra onde haja condições para plantar


uvas”, admite. E completa: “A Califórnia, em


especial o vale do Napa, é a Catedral do Novo


Mundo”. Mesmo começando de forma pruden-


te, comprando uvas e alugando parte de uma


vinícola do grupo Codorniu para a vinificação,


os vinhos eram caros. E, embora bem recebidos


pela crítica, enfrentavam nomes já consagrados


no mercado norte-americano. Por isso, após lan-


çar as primeiras safras, decidiu colocar o proje-


to “para dormir”. Ele também já fez vinhos em


Saint-Émilion, em Bordeaux (é um francófilo as-


sumido), com um primo do ramo anglo-francês


de sua família (a mãe é de origem inglesa).


Sonhos


Ao explicar o projeto em Chiloé, Aurelio diz que


“sonhos são para ser cumpridos”. E nada sintetiza


melhor essa ideia do que o próprio nascimento


da Montes. Na época, ele tinha 39 anos, era ca-


sado e, como faz questão de lembrar, tinha cinco


filhos para criar. Mas, depois de 12 anos como


enólogo na Undurraga, uma vinícola familiar,


e cinco como gerente de produção na gigante


Viña San Pedro (VSP), à época a segunda maior


do Chile, se sentia frustrado, por entender que a


maioria das vinícolas de seu país se acomodara ao


papel de produtor de vinhos “bons e baratos” que


parecia reservado ao Chile. O sonho, no caso, era


trocar quantidade por qualidade e competir no


mercado internacional.


O acaso reuniu na própria Viña San Pedro o

embrião do que seria a Montes: o próprio Aure-


lio, na enologia; um chileno de origem escocesa,


Douglas Murray, na área de marketing e ven-


das; e um gênio das finanças, Alfredo Vidaurre,


banqueiro que se tornara presidente da VSP. O


quarto fundador, Pedro Grand, viria de fora. Sua


família era proprietária de uma vinícola cujas


instalações seriam usadas até que o novo projeto


deslanchasse. O nome escolhido inicialmente,


de certa forma, refletia as ambições dos sócios-


-fundadores: Discover Wine. Ou seja, mostrar ao


mundo um vinho chileno ainda desconhecido.


Passados mais de 30 anos, o sonho tornou-se

uma realidade muito maior do que qualquer um


deles poderia imaginar. Hoje, a Montes (nome


adotado logo depois do nascimento tanto para


A ilha de Chiloé, no sul do Chile, é
conhecida pela produção de salmão,
exportado para muitos países,
inclusive o Brasil. Ela compõe uma
espécie de arquipélago, com muitas
ilhas menores agrupadas numa
grande baia ou laguna, separada
e, mais importante, protegida das
frias águas do Pacífico por uma
estreita margem de terra. Isso faz
com que as temperaturas médias
no interior dessa laguna sejam
bem mais amenas do que na parte
exposta ao mar. Foi numa dessas
ilhas, Mechuque, que Aurelio Montes
decidiu plantar vinhedos, depois
de acalentar essa ideia por muitos
anos. O projeto-piloto, iniciado em
2018, está sendo implantado em
três hectares dos 18 disponíveis. São
mudas de Chardonnay, Pinot Noir,
Sauvignon Blanc, Albariño, Pinot
Grigio, Gewürztraminer e Riesling. O
solo é de origem vulcânica, rico em
óxido de ferro, com boa drenagem e
apenas 15% de matéria orgânica.
Um dos fatores que animou
Aurelio a iniciar o projeto foi constatar
que as temperaturas médias

nessas ilhotas, tanto no inverno
como no verão, são mais altas do
que as registradas em Valparaíso,
no litoral próximo a Santiago. E
semelhantes à de regiões do norte
da Europa como Mosel, Rheingau
e Champagne. A latitude em que
se situam (42º) é a mesma, por
exemplo, que a da ilha sul da Nova
Zelândia, conhecida pela qualidade
de seus vinhos. Para favorecer a
acumulação térmica, crítica para o
crescimento das videiras, o terreno
foi coberto por conchas de mariscos
brancas e negras, abundantes na
região, que absorvem e refletem a
luz solar, num processo semelhante
ao utilizado, com pedras, em
Jerez, Châteauneuf-du-Pape ou no
vinhedo do Tignanello, da Antinori.
Se tudo continuar correndo bem, os
primeiros vinhos serão produzidos
em 2021. Só então se saberá se o
projeto é comercialmente viável e que
variedades serão cultivadas de forma
permanente. Mas isso não altera a
motivação de Aurelio. “Para conhecer
o limite”, explica, “é preciso ir além
do limite”.

Projeto na ilha de
Chiloé, no sul do
Chile

fotos: divulgação Viña Montes

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