MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
mostramos para alguns objetos desagrado, e inclinação
para outros; a uns buscamos com riso, e de outros
fugimos com mêdo; uns nos servem de espanto, outros
de divertimento; choramos por alcançar uns, e também
choramos por evitar outros; como se o ódio, e o amor
naquela idade não tivessem outro modo de explicar-se,
nem soubessem mais idioma que o das lágrimas:
também não é nôvo o chorar-se de gôsto, do mesmo
modo com que se chora de pena.
(99) Nos primeiros anos da vida tôda a variedade
nos atrai; entramos neste grande teatro cheio de gôsto,
e contentamento, sem experiência das impressões da
dor, e ignorando os efeitos da vaidade; por isso não
temos então, nem pensamentos que aflijam, nem
cuidados que mortifiquem; não nos combatem as
lembranças da morte, e se vemos os seus triunfos, ou
já nos epitáfios, ou já nas pompas fúnebres, parece-nos
que está tão longe de nós aquele estrago, que na
mesma distância, em que a nossa idéia o considera, se
confunde, e desvanece o horror. Que feliz ignorância, e
que venturoso descuido! Em contínua travessura
passamos aquêles anos, em que os nossos espíritos, ou
por mais vivos, ou por mais alegres, apenas cabem em
nós. Os campos, as flores, as aves, os rios, tudo nos
serve de jôgo inocente, e de festiva ocupação: êstes são
os ensaios, e prelúdios, com que o tempo dispõe a
nossa dócil inocência, e com que um amor universal a
tudo quanto vemos, depois só se reduz àquele amor,
que tem por objeto a duração do mundo, ou a nossa
mesma reprodução; por isso a poucos passos
começamos a sentir um nôvo impulso; aquêle agrado
comum, com