MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
se não deixa ver, se não é incitado pelo impulso de
fuzil: daqui vem que tudo o que fazemos, é sem
perceber o princípio porque fazemos; por isso o que se
faz por amor, ou vaidade, parece-nos que é feito por
zêlo ou por virtude. Qual é o hipócrita, que conhece a
sua hipocrisia? Qual é o vanglorioso, que conhece a sua
vaidade? Qual é o amante, que conhece o seu delírio?
Que fácil coisa é o distinguir tudo nos outros, e que
dificultoso o distinguir alguma coisa em si! Qual é o
pai, a quem o filho parece enorme? Não só há geração
de filhos; também há geração de ações: as nossas
maldades não nos parecem mal, porque são nossas, nós
somos os que as produzimos: a natureza não só é mãe
do que faz perfeito, mas também do que faz
defeituoso; é piedosa ainda com um monstro, não por
ser monstro, mas porque ela o fêz: a terra não só cria a
rosa, mas também os seus espinhos; não se empenha
em produzir o bom, mas em produzir: a perfeição de
alguma sorte não se compreende na ordem da ma-
ternidade, mas é coisa como adventícia, estrangeira,
acidental. Nas ações dos homens também deve de
haver alguma espécie de fecundidade; esta fica sa-
tisfeita só com as ações, contenta-se com ser proge-
nitora; a qualidade do que produz fica sendo como
matéria separada; por isso a nossa inclinação tôda se
dirige a obra; a qualidade da obra, é eleição do amor,
do interêsse, e da vaidade. Origem depravada,
péssimos consultores! Que pode obrar o amor, senão
desvarios? Que se pode esperar do interêsse, senão
injustiças; e a vaidade que pode fazer senão tiranias?
Estas são as que guiam para os claustros tantas
formosuras desgraçadas: não são desgraçadas por irem
para os claustros, mas pelo modo com que vão. Que
maior desgraça do que deixar o mundo por