MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
uma existência vaga, e inconstante; mas por isso
mesmo é mais vã do que outra nenhuma vaidade. O
seu objeto, são os discursos, e a disputa, os objetos sem
corpo, vão natureza e por instituto. O campo desta
vaidade é a imaginação: campo vasto ainda quando é
infecundo; e que brota lírios e violetas, quando não
produz rosas e açucenas. Assim que entramos no
mundo, entramos também a defender a nossa opinião;
neste combate se passa inteiramente a vida: a guerra do
entendimetno não tem fim senão conosco; guerra feliz
em que ninguém fica vencido, ou ao menos que
ninguém crê que o foi, e em que cada um pela sua
parte canta a vitória! A razão nos arma contra a razão
mesma; cada um cuida que a tem por si, que a vê, que
a toca e que a conhece; sendo que quase sempre, o que
temos por razão, não é mais do que uma sombra dela, e
ainda essa mesma sombra é tão escura, e escondida,
que quando a encontramos, é mais por sorte que por
experiência, e mais por acaso que por estudo. O ter ou
não ter razão, é verdadeiramente a guerra em que se
passam os nossos dias e os nossos anos. O não ter
razão argúi vício na vontade, ou êrro no entendimento:
defeitos êstes para que a vaidade os reconheça?
(121) Contra o nosso parecer, nunca achamos dúvida
bastante, contra o dos outros sim. A vaidade é en-
genhosa em glorificar tudo o que vem de nós, e em
reprovar tudo o que vem dos outros: nas produções do
engenho há uma espécie de criação; daqui procede que
ninguém se desdiz sem repugnância, porque a natureza
é inflexível no intento de conservar aquilo que produz,
e a vaidade nunca renuncia ao