REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
lustre da invenção; queremos produzir muito, e me-
ditar pouco, por isso erramos; mas depois que o êrro se
naturaliza em nós, já o não vemos, senão com a figura
de razão.
É mais fácil sustentar uma opinião má, do que (122)
escolher uma boa; porque o êrro é como um edifício, cuja
fábrica exterior é composta de uma infinidade de ângulos;
com algum dêstes encontra o discurso facilmente, porque são
muitos, em lugar que o acerto é como um ponto fixo no meio
de uma esfera; o discurso que anda vagando à roda, não vê o
ponto, porque êste é só um; do mesmo corpo nasce a sombra
que o encobre: são inumeráveis as linhas, que se podem
lançar de uma circunferência para um centro comum; alguma
linha há de ver-se, porque são muitas, e o centro não, porque
é único: a superfície do globo impede o poder ver-se a sua
concavidade ; ou se há de ver uma coisa, ou outra; ambas ao
mesmo tempo não pode ser.
Sôbre o mesmo caso, há muitas opiniões más, (123) e só
uma é boa; por isso esta acha-se com trabalho, e a outra com
facilidade. Há mil caminhos que vão ter a uma má opinião, e
só um conduz para a que é boa. A retidão de uma linha só se
faz por uma forma, por isso é dificultosa; a obliquidade faz-se
por muitos modos, por isso é fácil. Cada coisa que vemos, é
por entre uma infinidade de outras coisas; a pinião também se
mostra por entre uma infinidade de outras opiniões; e da
mesma sorte a razão,