MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
Não sei se houve já quem reparasse, que o gôsto dos
sucessos são menos atrativos na realidade, do que são
depois lembrados; a complacência não é tão forte,
quando a primeira vez se mostra na verdade, como
quando se repete na lembrança, e se representa sempre;
o susto do perigo não é tão grande no instante que
sucede, como é depois que se recorda, e isto é porque o
corpo é suscetível de um pasmo tal, fica como absorto,
imóvel, e insensível; só a imaginação não se entorpece
fàcilmente, por isso recebe as impressões do gôsto, e
do pesar, em tôda a sua fôrça, e em tôda a sua
extensão; o pensamento é o lugar em que a natureza se
concentra, e fortifica; daqui vem que tudo quanto se
sente, ou se vê com o pensamento, fica sendo mais
visível, e mais sensível. Não é pois a ciência a que nos
ensina, o tempo sim; a ciência é como um cristal claro,
que pôsto sôbre uma má pintura, sim lhe dá lustro, mas
não a faz melhor, nem de mais valor; a luz que é
símbolo da perfeição, não faz mais perfeito nada do
que alumia: cada coisa guarda o seu defeito original; e
assim devia ser, porque a natureza de cada coisa
também se compõe do seu defeito, e êste quem lho tira,
desmancha a mesma coisa, porque a desune, e a
separa: em qualquer composto não só é parte principal
o que há nêle de excelente, mas também aquilo que
tem de inferior; o dividi-lo ou emendá-lo seria o
mesmo que perdê-lo: em um medicamento também
entra o simples amargoso, e êste se se tira, fica o
remédio sem virtude. Tudo é singular na sua espécie: o
verdadeiro ser das coisas não depende da aprovação do
nosso gôsto; de parecer mal, não se segue que o seja;
as coisas menos estimáveis, e ainda as mais
aborrecidas, tiveram famosos apologistas; nós
regulamos tudo pela nossa sensibilidade, e nesta é que
costuma haver o en-