MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
em descobrir a verdade, mas em ostentar v. g. uma
erudição rabínica, e mostrar que na língua hebraica, a
palavra alma nunca significou outra coisa senão
virgem. Como a vaidade das ciências traz consigo um
desejo imenso de adquirir nome, êste parece que se
adquire à fôrça de vozes, e estas devendo ser de fora,
costumam sair do mesmo sábio pretendido; êle é o que
entoa a cântico, e sempre acha na turba quem o siga:
na confiança de começar, encontrar-se uma espécie de
valor de que a fortuna se namora; a resolução de pegar
nos louros, e nas palmas, faz parecer que são suas: há
muito que as ciências têm o privilégio de poder elas
mesmas coroar-se a si; e com efeito o saber na
realidade mais, ou menos, é segrêdo, que fica
escondido; estamos pelo que indicam as insígnias; e
nas letras, uma parte do que vemos, são edifícios vãos,
compostos sòmente de um soberbo frontispício; e êste,
por mais que inculque um fundo grande, quem lho
busca, não o acha; por isso tem fechadas as portas; e se
algum entra, é daqueles, que sabem o defeito, e têm
interesse nêle; os mais todos são profanos. A sabedoria
humana é como a cortina do teatro; nela se vêem
pintados primorosamente hieroglíficos, medalhas,
inscrições, e atributos; e nesta variedade de ações, e de
sujeitos, se suspende a vista; e o coração que admira,
todo se deixa penetrar de um respeito, ou mêdo vene-
rável; mas se algum impaciente, e indiscreto força a
cortina, e entra, o que vê, é um lugar escuro,
embaraçado, sem ordem, nem asseio; vê atores ainda
cobertos de roupas miseráveis; alguns, vestida a gala, e
empunhado o cetro, (adornos alheios, e supostos) vê
chegados a uma luz desanimada, recordando de um
papel imundo as palavras de que a memória se
encarrega com trabalho; outros de fronte a um espelho
sombrio, exercitado a cadência