fé, buscam, e praticam êsse mal, como por entusiasmo,
e sem advertirem nêle. A impiedade, é uma das coisas
que a ciência ensina; não porque êsse seja o seu objeto,
ou instituto, mas porque quando a impiedade é útil, à
fôrça de o ornar, se lhe tira o horror. A vaidade das
ciências não consente, que haja coisa de que ela não
possa, nem se saiba aproveitar. Os erros comumente
são partos da sabedoria humana; o errar pròpriamente
é dos sábios, porque o êrro supõe conselho, e
premiditação; os ignorantes quase que obram por
instinto; a ciência sabe legitimar o êrro, a ignorância
não: por isso nesta não há perigo de que ninguém o
aprove; em lugar que naquela há o perigo de que a
multidão o siga. O êrro na mão de um sábio é como
uma lança penetrante, e forte; na mão de um ignorante,
é como uma arma quebrada sem uso, nem
consequência. As coisas parece que recebem mais da
forma, que se lhes dá, que da natureza que têm; não se
atende à substância do mármore, ao polido sim; a
dureza importa menos que a figura. As ciências são as
que dão o lustre às coisas, e sempre dão o lustre que
lhes parece; ou duvidoso, ou falso, ou verdadeiro; a
vaidade, é o artífice.
Os heróis são os que combatem, os que ven- (131) cem, e
conquistam; porém os sábios são, os que de algum modo
reinam, e governam. O trabalho, e o perigo, é dos heróis; dos
sábios é o fruto: aquêles contentam-se com a glória do
vencimento, êstes o que querem é a utilidade da vitória; uns
reservam para si a vaidade do nome, outros não querem mais
do que servir-se da autoridade dêle; o guerreiro