matias

(Zelinux#) #1
REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS

discursos, e argumentos são as partes por onde o
direito se governa; mas são partes, que se não podem
pesar, porque não têm corpo, nem entidade; e assim já
temos a justiça imprópria, até na mesma idéia da sua
representação, e se a quisermos defender pela sua
antiguidade, convenhamos em que as razões se pesem;
mas em que mãos há de a balança estar para ser fiel?
Nas dos homens, certamente não; nas de uma deusa
sim. A espada tem mais exercício na justiça; por isso
sempre está em ação, isto é, levantada; e com efeito o
ferir é mais fácil, porque é mais fácil também o
descarregar o golpe, que o suspendê-lo: a fôrça que
suspende, é violenta, a que descarrega, e natural: mas
como pode a justiça ter na espada um exercício justo,
se a balança na mão dos homens não tem uso, e se o
tem é sòmente imaginário, e na realidade impraticável?
A espada depende da justeza da balança, e assim vem a
depender de um instrumento inútil: sim depende de
uma balança certa, para saber o como, o quando, e em
que caso há de ferir; mas para nosso mal, a balança na
mão da Justiça pintada, é que se vê; não porque deixem
de haver homens justos, mas porque a justiça
verdadeiramente não se pode pesar; é um ato de
discurso, e êste em cada homem, é sempre incerto,
vago, e vacilante. Para dar a cada um o que lhe toca,
não basta ter uma vontade perpétua, e constante nessa
mesma vontade é donde o êrro se introduz. Finjamos
que o discurso é como um campo largo, em que a
verde primavera faz nascer aquela multidão de belas
flôres, mas entre estas, que impede que não nasça
alguma flor com vício, ou alguma planta agreste,
inferior, e errante? As flôres nascem no campo, os
discursos em nós; felices são as flôres, pois foram
produzidas na terra humilde, e por isso

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