tinta, e separada; o que as distingue, é a matéria, que
lhes vai servindo de alimento, e não a primeira luz
donde começaram. O incêndio não é menos ativo, ou
menos nobre aquêle, que nasceu de uma faísca errante,
do que aquêle que viria de um fogo guardado no
templo das Vestais. Quem há de intitular ilustre a
chama porque veio de outra que diziam consagrada? E
humilde aquela que procedeu de outra, que não tinha
circunstância? Uma pedra preciosa regula-se-lhe o
valor pela perfeição que ela mostra em si; a que nasceu
no monte Olimpo não é por isso mais esclarecida, do
que aquela que se achou em um vale rústico, e
profundo. Só para o homem estava guardado o serem
distintos uns dos outros, e o distinguirem-se, não pelo
valor de cada um, mas pelo valor das coisas que os
distingue. A nobreza foi a maior máquina, que a
vaidade dos homens inventou; máquina admirável,
porque sendo grande, tôda se compõe de nada. As
outras vaidades, parece que são menos vãs; porque
sempre têm algum objeto visível, e manifesto: mas por
isso mesmo a vaidade da nobreza é uma vaidade sem
remédio; mal incurável, porque se não vê.
(161) Assim é, mas quem há de haver que negue, que
a nobreza, ou essa coisa vã, é útil, necessária, e bem
imaginada? Que importa que uma coisa seja na
realidade nada, se os efeitos que produz são alguma
coisa? Os efeitos da nobreza são muitos; ela dá
merecimento, valor, saber, a quem não tem nem ci-
ência, nem valor, nem merecimento; ela serve, para
fazer venerado, a quem o não deve ser; ela faz que o
crime fique muitas vêzes impunido; que a desordem se
encubra, e se disfarce; e que a soberba,