REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
parecem-se com os mais homens na humanidade, mas
diferem nas qualidades da alma: a coroa, que os cinge,
não só lhes ilustra a cabeça, mas também o
pensamento: o cetro, que indica a majestade, também
inspira o esfôrço; e a grandeza no poder também influi
extensão no espírito; por isso na arte de reinar não há
regras, que possam ser sabidas por quem não é rei.
Assim como é justo a vaidade de um rei justo, (52)
também é iníqua a vaidade de um tirano: o esplendor de um
trono adquirido injustamente não cega a atenção de sorte, que
fiquem os olhos sem poder examinar-lhe os raios; um lugar
tão sagrado, nem sempre o consideram os homens com
imunidade. Os tiranos sempre foram objetos, não só dos lou-
vores, mas também da crítica; não só das admirações, mas
também dos reparos; não só do amor, mas também do ódio: se
há quem os admire, também há quem os reprove; a lisonja os
iguala ao sol, a censura sabe compará-los ao cometa; se o
amor lhes prepara agrados, também encontram aversões no
ódio. As submissões não são tôdas voluntárias; e o respeito
ainda quando degenera em adoração, nem sempre tributa um
incenso puro, e muitas vêzes procede de uma violência
interior, e oculta; então por mais que as expressões se elevem,
sempre a verdade se distingue da exageração; por mais que o
joelho dobre, sempre o desprezo fica inflexível no conceito.