MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
são imaginárias; porque também há verdades fan-
tásticas, e compostas sòmente de ilusões.
(50) A vaidade é cheia de artifício e se ocupa em
tirar da nossa vista, e da nossa compreensão o ver-
dadeiro ser das coisas, para lhes substituir um falso, e
aparente. De que serve a púrpura, mais que de encobrir
o homem a si mesmo, e uma figura simples, comum, e
igual em todos, mostrá-la desfigurada, e outra debaixo
de um véu puramente exterior? Tudo o que se esconde
fica com caráter de mistério, e por isso com veneração,
e com respeito: a vaidade foi o primeiro artífice, que
inventou o distinguir os homens pela especialidade do
ornato, e pela singularidade da côr; assim são as
distinções, que a vaidade nos procura; nenhuma é, nem
pode ser em nós, mas nas coisas que nos cobrem.
(51) Só a vaidade dos reis é vaidade justa, porque
a Providência já quando os formou para a dominação,
logo os destinou para figuras da divindade, e com uma
semelhança mais que material, e indiferente; porque a
mesma essência, de que são imagens, parece, lhes
comunica uma porção da idéia, que representam. Por
mais que os sucessos sejam regidos pelo acaso,
contudo aos reis não os faz a fortuna, nem o valor; mas
sim aquela mesma inteligência, que dá os primeiros, e
principais movimentos ao Universo. Ainda nos orbes
celestes vemos alguns corpos, que parece custaram
mais cuidado ao Autor do mundo, pois brilham com
luz mais firme, mais intensa, e mais constante. Os
monarcas