MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
(62) Quando pretendemos um favor, parece-nos que
sempre havemos conservar a memória dêle; mas é
êrro, porque apenas o alcançamos, quando logo se
forma em nós um desejo imperceptível de o esquecer:
a vaidade tem horror a tudo o que desperta a lembrança
da nossa indigência: por isso não há ingratidão sem
ódio; aborrecemos a quem remiu a nossa vexação, só
porque a ficou conhecendo. Não se paga um benefício,
senão com outro maior, e quem o não pode pagar
assim, fica devendo sempre; por isso a vaidade antes
nos resolve a ser ingratos, do que a conhecer uma
obrigação de que nunca podemos estar livres.
A ingratidão não consiste só no esquecimento do
favor; mas também em sua aversão oculta, que temos a
quem nos obrigou, por isso quando o vemos, e
encontramos, sempre é com nosso pesar, e desagrado.
Insensivelmente se forma uma espécie de divórcio
entre quem recebe um favor, e quem o faz; êste por
vaidade afeta o não lembrar-se do benefício feito,
aquêle tem pejo de haver-se esquecido dêle; um e
outro se retira: a ausência, ou a ruína daquele a quem
fomos obrigados, nunca nos é desagradável; porque
então parece que respira a vaidade, como livre de um
pêso insportável: naturalmente não podemos amar a
quem devemos; a dívida leva consigo um desejo da
extinção do seu objeto.
(63) Não sucede assim nos benefícios, que os sobe-
ranos fazem; quem os recebe, sempre os reconhece;
porque a mesma vaidade, que nos faz ser ingratos para
com os mais homens, é a que nos faz ser agradecidos
para com os príncipes; e com razão, porque