REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
prudencial, histórica, e muitas vêzes imbecil. O ser antigo
não da juízo à todos, antes o tira, porque o tempo
insensivelmente vai destruindo o homem em tôdas as suas
partes, e por mais, que o não sintamos, o que primeiro
cansa, é o entendimento; porque êste é o como a fôrça, que
até um certo tempo cresce, até outro se conserva, e depois
sempre vai diminuindo. Perdemos a inocência assim que
entramos a ter uso de razão, e perdemos a razão assim que
tornamos ao estado da inocência: uma, e outra coisa são
virtudes puras, e excelentes, mas insociáveis.
Primeiramente adquirimos a razão à custa da inocência, é
depois alcançamos a inocência à custa da razão; não sei
quando é que perdemos, ou ganhamos. Indiscretamente
fazemos vaidade de sermos entendidos: o entendimento
parece que nos foi dado por castigo pois com êle ficamos
sem desculpa para nada. Que maior mal!
É rara a coisa, em que não tenha parte a vai- (61) dade. A
mesma ingratidão, de quem recebe um benefício, é efeito da
vaidade; porque sendo o benefício uma espécie de socorro, sempre
indica superioridade em quem o faz, e necessidade naquele que o
recebe, por isso a lembrança de um benefício, humilha, e mortifica
a nossa vaidade, e se alguma vez nos lembra, é porque a natureza se
acusa de sentir-se ingrata. Muitos por vaidade confessam bene-
fícios, que nunca receberam; é confissão, que os não aflige, porque
assenta em uma dívida suposta: outros também por vaidade
reconhecem benefícios verdadeiros, e isto porque fazem vaidade de
uma dívida, que já julgam satisfeita pela confissão.