REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
tudo esconde-o; e assim vimos a ser destemidos, não
só porque a vaidade nos obriga, mas também porque
nos engana: no meio do precipício, não nos deixa ver
tôda a extensão dêle, e por mais que seja certo o nosso
estrago, sempre a vaidade para animar-nos, o mostra
como duvidoso; e sempre nos inspira que aos ousados
a fortuna favorece. A vaidade não nos deixa, senão
depois que nos entrega à morte, e só a morte que nos
acaba, é a que acaba também a nossa vaidade.
O facinoroso é tímido, porque o crime que en- (73)
vilece, acovarda. A vaidade, que também interiormente acusa,
assim como aumenta as fôrças, donde vê alguma ocasião de
brio, também as debilita, onde encontra uma aparência de
desdouro: no crime o ânimo se abate, menos pelo mêdo do
castigo, que pela qualidade dêle; daqui vem que há mais reso-
lução do delito, que não irroga infâmia; e de tal sorte que o
delinquente às vêzes declara por vaidade a culpa; a mesma
vaidade lhe serve de tormento, e o obriga a confessar. As leis
conheceram bem êste princípio, por isso imaginaram penas
vis; puseram distinção no modo de as executar; sabiamente
introduziram nobreza até no modo de morrer.
Há crimes, cuja atrocidade exige uma pena (74) ainda
maior; isto é, uma pena permanente, sucessiva, indelével; que
compreenda culpados e inocentes ; que induza infecção fatal,
não só no sangue dos que estão, mas também no sangue dos
que hão de