MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
necessitamos de conhecer, nem saber nada; para a
virtude é-nos preciso conhecer, e saber tudo. Difi-
cultosa empresa; exercitamos o vício, ficando da
mesma sorte que fomos; em lugar que as virtudes, não
as praticamos, sem que nos mudemos; tôda a vida
levamos nesta emenda: feliz o que a consegue! Um
homem às avessas seria um homem perfeito. — Para
obrarmos bem, não temos mais do que consultar a
natureza, e a fazer o contrário; se êste documento fôsse
universal, e não tivesse alguma, ou muitas limitações
estava achado o meio de abreviar uma das ciências que
nos é mais importante; então cada um de nós tinha em
si o caso, e a lei; só com a diferença, de que por
obrigação da mesma lei, se havia de seguir a
disposição que lhe fôsse mais contrária ; a sua
observância devia consistir na inobservância ; e a
obediência na desobediência: e com efeito há muitas
coisas, que as não vê quem está no mesmo lugar, mas
sim quem está em lugar oposto; outras conhecem-se
melhor por aquilo que lhe é descon-forme; e outras,
para serem vistas como são, não se hão de ver
diretamente. Há muitas partes donde se não pode
chegar, se logo no princípio se não toma uma derrota
falsa; e ainda nas verdades há algumas, que se não
podem alcançar, senão pelo caminho do êrro; para
acertar também é necessário ver primeiro o desacêrto;
a qualidade da luz distingue-se melhor pelos efeitos da
sombra: quem olha para os montes do Ocidente, vê
primeiro nascer o sol, do que quem inclina a vista para
o Oriente. E assim vimos ao mundo para fugirmos de
nós, isto é, das nossas paixões, e entre elas das nossas
vaidades, destas porém não devemos fugir sempre,
porque a vaidade às vêzes é um vício, que serve de
moderar, ou impedir os outros; e com efeito quem não
tem