REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
um guerreiro valoroso, debaixo de uma vestidura negra, e talar, o
que se nos figura, é um jurisconsulto rígido, e inflexível; debaixo
de um semblante descarnado, e macilento, o que descobrimos, é
um austero anacoreta. O homem não vem ao mundo mostrar o
que é, mas o que parece; não vem feito, vem fazer-se; finalmente
não vem ser homem, vem ser um homem graduado, ilustrado,
inspirado; de sorte que os atributos, com que a vaidade veste ao
homem, são substituídos no lugar do mesmo homem; e êste fica
sendo como um acidente superficial, e estranho: a máscara, que
encobre, fica identificada, e consubstancial à coisa encoberta; o
véu que esconde, fica unido intimamente à coisa escondida; e
assim não olhamos para o homem; olhamos para aquilo que o
cobre, e que o cinge; a guarnição é a que faz o homem, e a êste
homem de fora é a quem se dirigem os respeitos, e atenções; ao
de dentro não; êste despreza-se como uma coisa comum, vulgar e
uniforme em todos. A vaidade, e a fortuna são as que governam a
farsa desta vida; cada um se põe no teatro com a pompa, com que