REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
ouvir, e de entender; a vaidade, que de tôdas as paixões
é a mais forte, a tôdas arrasta, e dá ao nosso conceito a
fornia, que lhe parece: o entendimento é como uma
estampa, que se deixa figurar, e que fàcilmente recebe
a figura, que se imprime. A vaidade propõe, e decide
logo, de sorte que quando as coisas chegam ao
entendimento já êste está vencido; o que faz é aprovar
a preocupação anterior, que a vaidade lhe introduz, e
assim quando a vaidade busca o entendimento é só por
formalidade, e só para a defender, e autorizar, e não
para aconselhar. O discorrer com liberdade, supõe uma
exclusão de tôdas as paixões; que os homens se possam
isentar de algumas, pode ser, mas que de tôdas fiquem
isentos ao mesmo tempo, é mui difícil. Tudo quanto
vemos, é como por uma interposta nuvem; o que
imaginamos, também é como por entre o embaraço de
mil princípios diferentes, incertos e duvidosos e
quando nos parece que a nossa vista rompeu a nuvem,
e que o nosso discurso desfêz o embaraço, então é que
estamos cegos, e então é que erramos mais. A vaidade
nos tem em um contínuo movimento, e como é paixão
dominante em nós, a tôdas as mais sujeitas, e prevalece
a tôdas semelhante ao impulso das ondas, a que não
resiste o frágil de uma nau, quando o mar embravecido
a faz correr com a atormenta; o navegante parece que
busca o perigo, porque não se opõe à corrente das
águas, antes as segue, e só assim escapa ao naufrágio.
Quantas vêzes o buscar o precipício é o único meio de
o evitar! A vaidade é a tormenta, ou o mar tempestuoso
que nos move; o deixar de a seguir, nem sempre pode
ser, nem é acertado sempre ; porque a vaidade é um
mal comum, e entre os homens é culpa ou não
participar de um contágio