REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
tôda a parte é o mesmo, em nenhuma é mais nem
menos; pode parecer maior, mas ser, não. O sol ao
meio-dia brilha mais, não porque deixe de ser o
mesmo, nem porque então tenha mais luz, mas porque
esta faz mais efeito em um lugar, que em outro; no
ocaso, e no oriente é o mesmo sol, e a mesma luz, mas
não parece o mesmo. Assim são os homens; em
qualquer parte que os ponham, todos são iguais e
uniformes; a diferença que há entre êles, não tem outro
fundamento que o que vem da preocupação e do
conceito; são duas coisas, e ambas vãs, porque
nenhuma tem realidade. A fortuna pode armar o
homem com hieroglíficos e adornos figurados, mas não
o pode armar senão por fôrça; quem levantar as roupas,
há de ver o engano e a suposição : não há de achar mais
do que um homem como os outros, cujo ornato é pura
fantasia, arbitrária, artificial e separável; a fortuna pode
vestir, não pode formar; sabe fingir, mas não sabe
fazer. O mesmo obséquio todo se compõe de um
cerimonial imaginário, mudável, de instituição
nacional e variante. O incenso que algumas vêzes é
símbolo da vaidade e da lisonja, primeiro que exale o
seu perfume, arde, e no ar se extingue e se consome.
Tudo o que nos recreia e nos atrai é exalação e fumo;
por isso o emprego da vaidade tôda consiste em dar
substância às vozes, entidade ao modo, e corpo ao
vento.
A vaidade satisfeita, ou ofendida, é a que nos (82) faz
buscar a solidão e o retiro; como temerosos de perder a
tristeza, em que achamos um agrado de gênero diverso. Há
muitos males, em que a vaidade parece se deleita; e ainda sem
vaidade a ale-