MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
tado? Nada disso é seu. Que ilustre pode resultar do
encontro de uma coisa alheia, distinta, separada e
estranha? As águas passam como são, e por passarem
por rubis, não se convertem nêles; nem se dignificam
pela qualidade do caminho: o correrem mais juntas,
não lhes muda a natureza; a substância de uma pinga
de água, é a mesma que a de um rio inteiro; o tamanho
é circunstância exterior, e independente. Na criação do
mundo não houve nas águas diferença, só houve
divisão; a diversidade só foi no nome e no lugar, mas
não na matéria original : o Espírito vivificante e eterno,
em tôdas infundiu um movimento próprio, circular,
fecundo e sujeito às leis do pêso e do equilíbrio. Há
pois nas águas o mesmo nascimento em tôdas, a
mesma propriedade, e o mesmo fim. Assim são os
homens: no seu gênero, têm com as águas um paralelo
ou figura igual. Nem todos nascem na abundância; nem
a todos a fortuna lisonjeia; uns parece que nascem para
o descanso, outros para o trabalho; uns para a
grandeza, outros para a humildade; uns para a
opulência, outros para a miséria; uns para o respeito,
outros para o desprezo; uns para a memória, outros
para o esquecimento; uns para a bonança, outros para a
tormenta; uns para venturas, outros para desgraças; uns
para as atenções, outros para os descuidos; a uns
vemos subir, a outros descer. Mas que importa que no
exterior do homem haja tanta diferença, se no seu
interior não há nenhuma? Que importa que sejam
diversos os lugares, se nos sujeitos não há diversidade.
Quem há de haver que diga, que o homem que está
posto no elevado de uma tôrre, seja mais homem, que
aquêle que está pôsto em campo raso? O homem muda
de lugar, mas não muda o ser de homem; em