matias

(Zelinux#) #1
REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS

que a nossa presunção fique abatida, antes para a
conservar, lembra mil interpretações e aplicações
forçadas; daqui vem o escogitar a vaidade a regra, de
que um dos privilégios da grandeza, é ser superior às
máximas do vulgo, e o que nela o descrédito não
desacredita, a desonra não desonra, e a infâmia não
infama. A vaidade da grandeza parece que é mais sutil
e mais vã do que as outras vaidades, pois introduz o
poder, e a autoridade, até no modo de pensar. Mas que
importa, que a vaidade estabeleça regras, se estas
sempre ficam dependentes da aprovação dos homens; e
se êstes não sabem sujeitar os seus conceitos, senão
àquilo que é comum, que toca a todos, e que a todos
compreende? Por isso assim como em todos pode ter
lugar a causa da ignomínia, também em todos pode ter
lugar o efeito dela. A vaidade pode enganar a cada um,
pelo que respeita a si, mas não pode enganar a todos
pelo que respeita a cada. Contra a imaginação não há
poder; contra as ações, sim; o pensamento enquanto
não sai da sua esfera tem uma liberdade inteira,
impenetrável e muitas vêzes, invencível. Creia pois a
grandeza o que quiser de si, porque também nós
havemos de crer dela o que quisermos. A sua vaidade
poderá prometer-lhe, ou fingir-lhe várias isensões,
porém fundá-las, não; poderá querer introduzir, mas
fazer reconhecer, de nenhuma sorte. O labéu para
todos é o mesmo, e se há nêle diferença, é que nas
pessoas eminentes fica sendo mais reparável, e maior.
Em uma pedra vil não há imperfeição a que se atenda
muito; em uma pedra preciosa qualquer defeito lhe faz
perder a estimação : as manchas de um planeta são
imperceptíveis; no sol qualquer vapor o ofusca; o
menor eclipse é de todos conhecido; todos o calculam,
todos o vêem

Free download pdf