MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
concêrto de infinitas vozes, e de infinita diversidade.
Todos choram, e todos cantam; a vaidade a todos dá
porque cantem, e porque chorem; todos entram como
partes principais; ninguém fica destinado, sòmente
para ouvir, e ver: enquanto dura a ação, (isto é a vida)
todos falam, depois todos emudecem; a estátua, que a
vaidade enchia de ar, dor, e movimento, depois fica
imóvel, e insensível; o mesmo homem, que atraía tudo
a si, depois tudo faz fugir de si: que notável diferença!
O mesmo que se via com gôsto, e com respeito, depois
se vê, é com horror: e isto porque finalmente veio a
des-fazer-se o edifício, mais nobre, mais regular, e
mais soberbo; a melhor arquitetura jaz por terra; os
mármores ficaram sem lustro, as colunas sem fôrça, os
pórticos sem ordem, os ornatos sem graça: já se não
vêem senão tôrres abatidas, muros arrancados, frisos
rotos, bases despedaçadas: não há parte, por mais
mínima que seja, em que a ruína não seja universal; é
ruína em que não pode haver reparo; é tempo, cuja
destruição não se pode reedificar por arte: os materiais
confusos, inúteis já, perdida a proporção, a medida, a
correspondência, o polimento, e ainda a mesma
substância da matéria, tendem desordenadamente a
uma transformação fatal, impura, fétida, verminosa, e
horrenda; a terra piedosamente se abre, como para
recolher, ou esconder em seu seio, o mesmo que tinha
saído dêle; com a diferença lastimosa de receber em
um cadáver, símbolo do espanto, e da tristeza, aquilo
mesmo que havia entregue em um homem, símbolo da
alegria, e da vaidade.
(88) Os tempos, e as ocasiões, tiram, ou dão valor à
vaidade dos homens; e ainda que nêles se vejam as