MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
dade, em outro por vaidade não se faz: aquilo que em
uma parte se estima por vaidade, em outra por vaidade
se despreza: como a vaidade depende da opinião das
gentes, por isso é tão mudável como a mesma opinião;
e com efeito a vaidade é coisa essencial no homem; a
espécie dela não. Vivemos continuamente em
esperanças, e quando alguma nos deixa, e nos engana,
logo nos deixamos enganar por outra; não podemos
viver sem aquêle engano. A vaidade que nos anima
primeiro, anima tôdas as paixões, só com a diferença
de que esta nossa terra, ou esta terra do homem,
naturalmente produz esperança, e vaidade, e tudo o
mais vem por fôrça da cultura, e do artifício. O mesmo
amor está sujeito às leis da vaidade. Quem dissera, que
o amor, que é como a alma de tôda a natureza, tenha na
vaidade o seu princípio, e algumas vêzes o seu fim,
Nascer o amor da vaidade, e morrer por ela, isto é
amar por vaidade; e também por vaidade não amar, ou
deixar de amar, parece difícil de entender; contudo a
proposição é certa; mas como havemos de mostrá-la,
sem entrar ao mesmo tempo em uma sucessiva
progressão a respeito do amor, a respeito da formosura,
e por consequência a respeito das mulheres? Sim
faremos alguma digressão: mas que importa, em tudo
havemos de encontrar a vaidade. Deixemos por um
pouco a vaidade só; não sejam tudo reflexões sôbre o
fim do homem, sejam algumas sôbre o seu princípio;
não o busquemos naquele estado, em que êle acaba,
mas sim naquele, em que começa; larguemos um
instante aquele assunto triste, e busquemos no amor
um mais alegre; façamos da mesma digressão,
divertimento, depois sempre acharemos vaidade na
formosura, no amor, e nas mulheres.