MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
em tal forma, que assim que nos encontram, logo
acham, ou um lugar proporcionado, ou incompatível;
tudo aquilo em que há grandeza, e pompa, a vaidade o
recebe, e guarda; tudo o em que se mostra formosura,
o amor o abraça, e se suspende. Tudo entra em nós, ou
por fôrça de amor, ou por fôrça de vaidade: a quem a
vaidade não vence, vence o amor.
(95) Não temos liberdade para deixar de amar a
formosura do mundo, e das suas partes; não temos
livre o alvedrio para resistir ao encanto, que a natureza
esconde nas suas produções. A variedade das côres, o
movimento dos brutos, o canto das aves, o elevado dos
montes, o ameno dos vales, a verdura dos campos, a
suavidade das flores, e o cristalino das águas, tudo
atrai a nossa admiração, e tudo nos infunde amor. A
fábrica do universo é como um retrato da Onipotência;
a grandeza do efeito indica a majestade da causa; por
isso o amor, ou o louvor da obra, cede em honra do
artífice.
(96) Esta insigne máquina serve de delícia aos nos-
sos olhos, e de pasmo ao nosso entendimento, tôda se
compõe de partes agradáveis, como se inteiramente
fôsse tirada de um fundo, ou princípio imenso de
formosura. A mesma desordem, e confusão das coisas
nos recreia; o furor dos elementos forma um
espetáculo perfeito: o ar com os seus bramidos, a terra
com os seus tremores, a água com os seus combates, e
o fogo com os seus incêndios. No vento