Se a dor é uma falsa opinião sobre um mal, o prazer, ardor irrazoável diante
do que parece desejável, é uma falsa opinião sobre um presumível bem e se mani
festa como sedução (prazer que adula nosso ouvido), crueldade (prazer com o
mal alheio), volúpia e deboche.
A paixão é uma doença da alma.
Escreve Diógenes de Laércio:Assim como se fala de doenças do corpo, fala-se em doenças da alma. [ ... ] Assim
como há acidentes aos quais o corpo está exposto, como o resfriado e a diarreia, as
sim também a alma tem inclinações como a inveja, a compaixão, a querela (Dióge
nes de Laércio, VII, 115).E Cícero:Assim como, quando o sangue está corrompido, ou há muita bílis, as doenças e en
fe rmidades nascem no corpo, assim também o afluxo de opiniões falsas e os conflitos
que as lançam umas contra as outras, privam a alma de saúde e a tornam doente
(Cícero, Tusculanas, N, 23).Visto ser uma doença, não há porque propor moderá-la: há que extirpá-la.
Opinião sem fundamento e doença, a etiologia da paixão pelos estoicos
implica numa terapêutica estritamente cognitiva, ou se ja, romper com a adesão
aos juízos que a causam. A experiência mostra que romper com essa adesão é
árduo e dificil, exigindo exercício e ascese a cada instante da vida. A terapia
pode realizar-se de duas maneiras: numa delas, própria do sábio, o combate se
dirige contra os juízos equivocados para mostrar o engano na avaliação dos
bens e dos males; na outra, de que todos são capazes, mostra-se a falta de rela
ção necessária entre o que se passa na alma e aquilo que a afeta (por exemplo,
acreditar que é um dever sentir tristeza durante um funeral porque é esta a
opinião comum da sociedade).
A terapêutica para destruir a paixão pressupõe, portanto, que as paixões es
tão em nosso poder: o sábio regula suas afecções por aquilo que depende dele ou
que está em seu poder. Por isso o ideal do sábio é, de um lado, a eupatheia, o bom
páthos ou a boa afecção - a alegria, a precaução e a vontade - e, de outro, a
apatheia, a ausência do mau páthos, a impassibilidade.
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