Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1
admitir que a razão é a causa dessa doença. Ademais, considera a paixão uma
fraqueza, mas ignora que há graus nesta última. Além disso, visto que a opinião
sobre o bom e o mau é sempre a mesma, deveria haver sempre a mesma paixão, o
que a experiência mostra não ser o caso, pois o hábito e o vício causam diferentes
paixões, ainda que a opinião seja a mesma. A causa da paixão é a existência de dois
princípios ou duas forças na alma: um demônio (daimon) de natureza divina e
uma potência bestial, má, ateia.

A causa das paixões e, portanto, de uma vida incoerente e infeliz, é não seguir em
tudo o demônio (daimon) que lhe é congênito e que tem a mesma natureza daquele
que rege todo o universo, mas deixar-se levar, consentindo no pior e no apetite ani­
malesco. Mas eles [os seguidores de Crisipo], ignorando isso, não dão sobre isso uma
razão melhor das paixões, nem pensam retamente sobre a felicidade e sobre o acor­
do com a natureza. De fato, não veem que nela, antes de tudo, trata-se de não se
deixar arrastar pelo que de irracional, maléfico e ateu existe na alma (Galeno, Precei­
tos de Hipócrates e Platão, v. 6).

Viver segundo a natureza, como ensinou Platão, é seguir a razão, que é de
mesma natureza que o princípio regente do universo e, por isso divina - o bom
demônio em nós; significa também dominar o irracional, oposto da razão, malé­
fico e ateu. Há em nós inclinações que são más em si e por si mesmas e a elas so­
mos predispostos por nosso temperamento (éthos*), que nos determina a esta ou
àquela paixão, conforme os quatro elementos (quente, seco, frio e úmido) se
combinem com os quatro humores e sejamos melancólicos (predomínio da bílis
negra), sanguíneos (predomínio do sangue), coléricos (predomínio da bílis ama­
rela) ou fleumáticos (predomínio da bílis branca). Não basta argumentar contra a
paixão para combatê-la e vencê-la. Segundo Galeno, Posidônio teria pensado, por
exemplo, no papel da música e dos ritmos como uma terapêutica contra determi­
nadas paixões, como a cólera, por exemplo, pois a simpatia universal enlaça os
semelhantes e afasta os contrários. Além disso, como já dissera Panécio, há os
convenientes e os preferíveis que auxiliam nesse combate, como a saúde, o vigor
e a abundância dos meios de vida.


Como, de fato, propriedade do quente é aquecer, não esfriar, assim também, pro­
priedade do bem é beneficiar, não prejudicar; a riqueza e a saúde oferecem mais da-
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