dores de cidades quanto os que as salvam dos perigos das guerras e do desrespeito
aos costumes e às leis. Esse elogio tem duas finalidades principais: a primeira,
ressaltar que a virtude é condição do amor pátrio; a segunda, combater os que
julgam que a sabedoria é incompatível com a vida pública. Afinal, os sete varões a
que os gregos deram o nome de sábios fo ram homens públicos e "nada aproxima
mais a virtude humana da divindade do que fundar cidades novas e conservar as
existentes".
Cícero apresenta, então, o objetivo da obra: expor os fu ndamentos da vida
civil, tarefa que ele se julga capaz de realizar porque reúne a experiência da atividade política, o estudo da história e o da filosofia. À maneira platônica, Cícero o
fa rá narrando um diálogo que, tempos antes, se travara entre Cipião, o Africano,
filho de Paulo Emílio, e um grupo seleto de jovens patrícios, desejosos de com ele
aprender a arte política. Assim, a personagem central de Sobre a república é Cipião
Emiliano, chefe do partido aristocrático, defensor dos antigos costumes, leitor de
Platão, amigo de Panécio e Poh'bio.
Para discorrer sobre o assunto, explica Cipião, é preciso começar definindo o
sentido da palavra que será empregada, pois "sem essa precaução, não se saberá
sobre qual assunto se discute". Tr ata-se, portanto, de começar definindo o que
seja a res publica, a coisa pública.A coisa pública (res publica) é a coisa do povo (res populi). Povo não é qualquer aglo
meração de homens reunidos de qualquer modo, mas o conjunto de uma multidão
de homens associados pelo consenso do direito (iuris consensu) e da utilidade comum
(utilitatis communione). Quanto à causa primeira dessa associação, não é tanto a fra
queza, mas uma certa propensão natural dos homens a se congregar, pois os homens
não são feitos para a solidão nem para uma vida errante (Sobre a república, I, 39).Essa definição opera a identidade entre público e povo e entre este e a asso
ciação segundo o direito e a utilidade comum. A coisa pública é a associação de
homens pelo reconhecimento de um direito e de uma utilidade comuns, portan
to, pelo consenso quanto ao justo (ius) e ao interesse (utilitas) de todos. Sua causa
não é a fraqueza - o medo diante da natureza e da morte, como julgam os epicu
ristas -, mas o instinto gregário. Em outras palavras, os homens precisam uns
dos outros e o instinto põe como natural a origem da república. Cícero reformula
o que dissera Aristóteles. Para este, o homem é por natureza um animal político;
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