para Cícero, o homem é por natureza um animal social. Passa-se da sociabilidade
natural à civitas, isto é, à associação política ou sociedade civil quandoos grupos se fixam num lugar determinado para aí permanecer e depois, por seu
trabalho acrescentado à fo rça natural do local escolhido, erguem casas, templos e
praças e lhe dão o nome de vila ou fortaleza. Todo povo, isto é, uma multidão agru
pada nas condições que expus, toda cidade (civitas), que é a constituição de um povo,
toda coisa pública (res publica), que eu disse ser coisa do povo, para ser duradoura
necessita ser governada por algum órgão deliberativo (consilium). E este órgão deve
primeiramente estar sempre unido à causa que engendrou a cidade (civitas) (Sobre a
república, I, 41).A instituição do Estado se dá, portanto, com a instituição de um órgão de
deliberação, ou seja, um governo; e sua estabilidade e longa duração dependem
de uma única condição, a que se mantenha unido à sua causa instituinte o povo
fo rmado pelo consenso do direito e da utilidade comum. Quando isto acontece,
diz Cipião, a cidade é eterna.
Ao governo cabe o imperium, o poder de ordenar e comandar o povo sob a
autoridade do direito natural (o senso natural de justiça) e do direito civil (as leis
positivas). Certamente há vários tipos de governo, conforme o imperium estej a
nas mãos de um só (realeza), de vários cidadãos escolhidos dentre o povo como os
melhores, os optimates (aristocracia), ou de todo povo (governo popular). Ora,
Na realeza, a generalidade dos cidadãos não toma parte nem na fe itura das leis nem
nas decisões a tomar; sob a autoridade dos melhores, a massa não pode ter muita li
berdade, pois está privada de participar nas deliberações e no poder; quando todo o
povo tem o governo, mesmo que dê provas de sabedoria e moderação, a igualdade
reinante é iníqua porque suprime a gradação dos méritos. [ ... ] Falo das três fo rmas
de governo sem considerar suas perturbações. Além dos defeitos que apontei, pos
suem outros muito graves: não há um só que não possa, por degradação, deslizar e
transformar-se num regime muito próximo e detestável (Sobre a república, I, 37-8).Estamos, assim, diante da descrição clássica das diferentes fo rmas de regimes
políticos, seus defeitos e sua corrupção, isto é, o risco de se degradarem em suas
contrafações: a concentração do poder faz a realeza deslizar para a tirania; as am-
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