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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 23 DE ABRIL DE 2020 Especial H3
Mario Vargas Llosa
GANHADOR DO PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA
l]
casa
C
onsidero Javier Cercas um
dos melhores escritores da
nossa língua e creio que, quan-
do o esquecimento tiver enterrado
seus contemporâneos, pelo menos
três das suas obras-primas, Soldados
de Salamina , Anatomia de um Instante
e O Impostor , ainda terão leitores
que voltarão a ler essas obras para
saber como era nosso presente, tão
confuso. Ele é também uma pessoa
audaz. Ama sua terra catalã, vive ne-
la e quando escreve artigos políticos,
criticando a demagogia independen-
tista, é convincente e inconteste.
Na civilizada polêmica que mante-
ve há algum tempo com Antonio
Muñoz Molina sobre Benito Pérez
Galdós, Cercas disse que não gosta-
va da prosa do autor de Fortunata e
Jacinta. “Entre gostos e cores não
escreveram os autores”, dizia meu
avô Pedro. Todo mundo tem direi-
to às suas opiniões e também os es-
critores; e o fato de dizer aquilo no
centenário da morte de Pérez Gal-
dós, quando ele é lembrado e come-
morado em toda a Espanha, tinha
algo de provocação. Eu, por exem-
plo, não gosto de Marcel Proust e
por muitos anos ocultei isso. Agora
não. Confesso que o li descuidada-
mente; deu-me trabalho terminar a
leitura do seu livro Em busca do Tem-
po Perdido , obra interminável, e con-
segui a duras penas, entediado com
suas longuíssimas frases, a frivolida-
de do autor, seu mundo pequenino
e egoísta e, principalmente, suas pare-
des revestidas de cortiça para ele não
se distrair ouvindo os ruídos do mun-
do (que eu gosto tanto).
Temo que, se tivesse sido leitor de
livros da Gallimard quando Proust
apresentou seu manuscrito, talvez ti-
vesse desaconselhado sua publicação,
como fez André Gide (e se arrependeu
o resto da vida por esse erro). Tudo isso
para dizer que, naquela polêmica, esti-
ve ao lado de Muñoz Molina e em oposi-
ção ao meu amigo Javier Cercas.
Acho injusto dizer que Benito Pérez
Galdós foi um mau escritor. Não era
um gênio – existem muito poucos –
mas foi o melhor escritor espanhol do
século 19 e, provavelmente, o primeiro
escritor profissional da nossa língua.
Naqueles tempos, na Espanha ou
América Latina, era impossível para
um escritor viver dos seus direitos de
autor, mas Pérez Galdós teve a sorte de
pertencer a uma família próspera que o
admirava e que o sustentou, garantin-
do a ele o exercício da sua vocação e,
sobretudo, a independência que lhe
permitiu escrever com liberdade.
Ele nasceu em Las Palmas de Gran
Canaria, em 10 de maio de 1843, filho
do tenente-coronel Sebastián Pérez,
chefe militar da ilha e, além disso, pos-
suía terras e várias empresas às quais
dedicava boa parte do seu tempo. Ele
teve dez irmãos e sua mãe, dona María
de los Dolores de Galdós, estava no
comando da casa. Ela decidiu que Beni-
to, que ao que parece se apaixonara
por uma prima que ela não gostava,
devia partir para Madri, quando estava
com 19 anos de idade, para estudar Di-
reito. Benito obedeceu, foi para Madri,
matriculou-se na Computense, mas se
desencantou muito rápido com as leis.
Sentiu-se mais atraído pelo jornalis-
mo e pela boemia madrilenha – a vida
dos cafés onde se reuniam pintores,
escritores, jornalistas e políticos, e se
direcionou para a literatura. E o fez
com um amor a Madri como nenhum
outro escritor, nem antes, nem depois
dele. Foi o mais fiel e o maior conhece-
dor de suas ruas, comércios e pensões,
seus tipos humanos, costumes e ofí-
cios, e, claro, a sua história.
Há fotos que mostram a grande con-
centração de madrilenhos no dia do
seu enterro, em 5 de janeiro de 1920,
acompanhando seu féretro até o cemi-
tério de Almudena; pelo menos 30 mil
pessoas participaram dessa homena-
gem póstuma. Embora todos aqueles
que acompanharam o carro funerário
não o tivessem lido, ele desfrutava de
uma enorme popularidade. A que se de-
via isso? Aos Episódios Nacionais. Ele fez
o que Balzac, Zola e Dickens, que admi-
rava muito, fizeram em suas respecti-
vas nações: contar em romances a histó-
ria e a realidade social do seu país, e,
embora não tenha superado nem o fran-
cês nem o inglês (mas Émile Zola sim)
com seus Episódios , esteve na linha de
frente deles, convertendo em matéria
literária o passado vivido, colocando ao
alcance do grande público uma versão
amena, animada, bem escrita, com per-
sonagens vivos e documentação séria
de um século decisivo da história espa-
nhola: a invasão francesa, as lutas de
independência contra os exércitos de
Napoleão, a reação absolutista de Fer-
nando VII, as guerras carlistas.
Seu mérito não é tê-lo feito, mas
como o fez: com objetividade e um
espírito compreensivo e generoso,
sem partidarismos ideológicos, pro-
curando distinguir o tolerável e o into-
lerável, o fanatismo e o idealismo, a
generosidade e a mesquinhez, no mes-
mo sentido dos adversários. Isto é o
que mais chama a atenção quando le-
mos os Episódios : um escritor que se
esforça para ser imparcial.
Ele era um homem civil e liberal que,
além disso, em certas épocas se sentiu
republicano, mas, antes de ser político,
foi uma pessoa decente e serena; ao nar-
rar um período nevrálgico da história
da Espanha, esforçou-se para fazê-lo
com imparcialidade, diferenciando o
bem do mal e procurando estabelecer
que existiam manifestações dos dois
em ambos os adversários. Essa limpeza
moral dá aos Episódios Nacionais seu ar
justiceiro e por isso seus leitores, desde
Trafalgar até Cánovas, têm uma forte
aproximação com seu autor.
Ele escrevia assim porque era um ho-
mem de bom caráter, ou, como dize-
mos no Peru, gente muito boa. O que
não é sempre o caso dos escritores; al-
guns pecam ao contrário, sem deixar
de ser magníficos. O talento de Pérez
Galdós era enriquecido por um espíri-
to de equidade que o tornava irremedia-
velmente amável e digno de confiança.
Permaneceu solteiro e seus biógra-
fos descobriram que ele teve três aman-
tes duradouras e, ao que parece, muitas
outras transitórias. À primeira, Loren-
za Cobián González, uma nativa das As-
túrias humilde, mãe de sua filha María
(que ele reconheceu e deixou como her-
deira), que era analfabeta e ele ensi-
nou a ler e escrever. Seu caso com
dona Emilia Pardo Bazán, mulher
ardente, salvo quando escrevia ro-
mances, foi bastante inflamado.
“Eu te esmagarei”, disse ela em uma
das cartas para o escritor. E não se
trata de uma licença poética. Dona
Emília, escritora pudica, pelo visto
era um pequeno demônio de luxú-
ria. A terceira foi uma aprendiz de
atriz, muito mais jovem do que ele:
Concepción Morell Nicolau. Pérez
Galdós apoiou sua carreira teatral e
a ruptura, na qual muitos amigos
intervieram, foi discreta.
Seu grande defeito como escritor
foi não ter entendido que o primei-
ro personagem a ser inventado por
um romancista é o narrador das
suas histórias, que este, seja perso-
nagem ou narrador onisciente – é
sempre uma invenção. Por isso
seus narradores costumam ser per-
sonagens onipresentes que, como
Gabriel Araceli e Salvador Monsa-
lud, têm um conhecimento impossí-
vel dos pensamentos e sentimentos
dos outros personagens, algo que
conspira contra o “realismo” da his-
tória. Pérez Galdós dissimulava isso
atribuindo aquele conhecimento
aos “historiadores” e testemunhas,
algo que introduziu uma sombra de
irrealidade em suas histórias; passa-
vam despercebidos, mas seus leito-
res mais experimentados tinham de
adaptar sua consciência àqueles des-
lizes, depois que Flaubert, nas car-
tas que escreveu a Louise Colet en-
quanto fazia e refazia Madame Bo-
vary , deixou clara essa concepção re-
volucionária do narrador como per-
sonagem central, embora com fre-
quência invisível em toda a narrati-
va. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
RENOVAR
Praticidade na instalação e facilidade na limpeza são
algumas das vantagens na escolha do acabamento
PAPEL DE PAREDE DÁ
OUTRA CARA À CASA
Marcelo Lima
Poucos recursos podem ser
mais eficazes para renovar a apa-
rência de uma superfície, esteja
ela em qual ambiente for da ca-
sa, do que a aplicação de papel
de parede. Indicados especial-
mente para quem pretende pro-
mover mudanças rápidas na de-
coração, sem passar pelos trans-
tornos de uma reforma tradicio-
nal, eles podem ser encontra-
dos hoje em uma ampla gama
de cores, estampas e texturas.
Onde e como utilizar ficam a
critério da criatividade de cada
um. É possível, por exemplo,
aplicar o papel em todas as pare-
des de um ambiente, produzin-
do uma sensação de uniformida-
de, ou apenas em uma área espe-
cífica. Com a grande variedade
de opções disponíveis no merca-
do, as duas soluções são possí-
veis – desde que determinadas
regras forem observadas.
“Se a ideia for aplicar o papel
em todas as paredes de um mes-
mo espaço, o melhor a fazer é
escolher padronagens discre-
tas, em cores mais amenas, para
não carregar demais o visual”,
explica a arquiteta Pati Cillo
(paticillo.com.br), que, em um
de seus mais recentes projetos,
revestiu todo um quarto de ca-
sal com uma papel que reprodu-
zia a textura de um tecido.
“Optei por um sóbrio e ele-
gante, com a aparência de um
linhão. Trouxe um toque de cor
ao ambiente, sem abrir mão da
sensação de acolhimento”, con-
ta ela, que prefere reservar pa-
dronagens mais vibrantes para
situações especiais. “Cada caso
é um caso. As pessoas costu-
mam relacionar os papéis de pa-
rede aos padrões estampados,
mas existem variedades mais
neutras, clássicas”, explica Bru-
na Bertozzi, diretora de Inova-
ção da Bucalo (bucalo.com.br).
“O papéis lisos são ideais pa-
ra revestir a totalidade de um
ambiente, sendo ideais para
aplicação em salas e quartos, on-
de podem substituir a pintura
com vantagem, eliminando odo-
res e respingos. Já em espaços
como os halls de entrada ou os
quartos de crianças, dá para ou-
sar mais, optar por estampas
mais fortes”, comenta a tam-
bém arquiteta Erica Salguero,
(ericasalguero.com.br), que re-
solveu imprimir um efeito “ur-
ban jungle” no lavabo de um
apartamento decorado por ela.
Para a designer de interiores
Patrícia Hagobian (patriciaha-
gobian.com), que costuma utili-
zar papéis de parede com bas-
tante frequência em seus proje-
tos, o momento ideal de esco-
lher é quando a decoração ain-
da está em andamento. “Nem
sempre o papel que você procu-
ra está disponível para pronta
entrega e, além disso, durante o
processo, os móveis e objetos
podem servir como inspiração,
sugerir outras possibilidades”,
considera ela, que não descarta,
no entanto, o uso do material
em ambientes já prontos.
“O papel é um típico elemen-
to curinga, seja nas pequenas
ou grandes reformas. Quando a
decoração está pronta, ele pode
direcionar o olhar para um pon-
to específico, provocar surpre-
sa”, sugere Pati Cillio.
Como exemplos de situações
nas quais ela costuma aplicar pa-
péis de parede, com o objetivo
específico de produzir efeito,
Patti recomenda atenção a três
ambientes: os halls de entrada e
lavabos – em pelo menos uma
das paredes – e nos quartos de
adolescentes, onde os papéis de
parede podem funcionar como
cabeceira de camas.
Nestes espaços, segundo a ar-
quiteta, o papel de parede pode
ganhar um peso maior e passar
a interagir de tal ponto com os
móveis e objetos que, não raro,
pode desempenhar a função de
protagonista da decoração.
“Quando isso ocorre, para va-
lorizar ainda mais determina-
do desenho ou o detalhe de
uma estampa, é providenciar
uma iluminação específica só
para realçar o papel. Afinal, ele
merece.”
Foi o mais fiel e o maior
conhecedor das ruas de Madri,
seus tipos humanos, sua história
MANUAL DE
INSTRUÇÕES
l Metragem. Para saber a
quantidade necessária de papel
para revestir determinada área,
tenha em mãos as medidas preci-
sas de largura e altura do local a
ser recoberto. Não adianta ter
apenas a metragem quadrada,
pois os rolos costumam ter largu-
ra e comprimento distintos. Além
disso, considere que, se o papel
for estampado, a perda será
maior, pois será necessário acer-
tar a emenda dos desenhos.
l Resistência. Varia de acordo
com a finalidade de uso do papel.
Os de uso comercial, em geral,
de base vinílica, são mais resis-
tentes à abrasão e à limpeza pe-
sada, sendo desenvolvidos espe-
cialmente para áreas com maior
circulação de pessoas. Já os resi-
denciais oferecem maior varieda-
de de estampas e resistência
adaptada a áreas onde a circula-
ção é menos intensa. Evite ape-
nas usar papel de parede em
áreas externas ou sujeitas a umi-
dade, como cozinhas e banhei-
ros. A exceção são os lavabos,
onde eles são muito bem-vindos.
l Cronograma. O papel de pa-
rede é um material de acabamen-
to e, portanto, deve ser um dos
últimos itens aplicados em caso
de construção ou reforma. Mais
especificamente, assim que as
paredes, rodapés e molduras esti-
verem completamente prontos e
a área estiver limpa. Melhor ainda
se a instalação acontecer após a
montagem dos móveis planeja-
dos para evitar perdas desneces-
sárias do produto e danos causa-
dos durante a montagem.
l Aplicação. É importante que
a parede que vai receber o papel
seja previamente preparada. Pa-
ra um bom resultado, ela deve
estar perfeitamente nivelada, lisa
e, de preferência, coberta por
uma demão de tinta.
l Limpeza. É bastante simples.
São necessárias apenas algu-
mas gotas de detergente neutro
em um balde de água, uma es-
ponja ou pano úmido e um pano
limpo e seco. Comece limpando
a superfície de baixo para cima
(para não sujar o rodapé), com a
esponja úmida com água e deter-
gente e, em seguida, passe o pa-
no limpo e seco. É o suficiente.
Em nenhuma situação utilize pro-
dutos abrasivos.
Em favor de
Pérez Galdós
Uniformidade. Em padronagens mais neutras, o papel pode revestir todo o ambiente, como nesta sala decorada por Patricia Hagobian
MARTIN GURFEIN
Lavabo. Material pode ser
usado em todas as paredes
ANDRÉ NAZARETH
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