O Estado de São Paulo (2020-04-23)

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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 23 DE ABRIL DE 2020 Especial H5


Taylor Lorenz
THE NEW YORK TIMES


Mesmo que seja difícil ver algu-
ma coisa além do dilúvio diário
de manchetes devastadoras,
também há muitas notícias
boas no mundo de hoje – e mui-
to interesse em lê-las.
As contas de Instagram dedi-
cadas a boas notícias, como
@TanksGoodNews e @Good-
News_Movement, viram sua
contagem de seguidores dispa-
rar nas últimas semanas. No fim
de março, o ator John Krasinski
estreou uma “rede de boas notí-
cias” no YouTube; em uma se-
mana, a Good Good News já ha-
via ultrapassado 1,5 milhão de
inscritos e 25 milhões de visuali-


zações. As pesquisas no Google
por “boas notícias” estouraram
no mês passado e sobem.
“Observamos um nível de
crescimento sem precedentes
nas últimas quatro semanas”,
avaliou Lucia Knell, diretora de
parcerias de marca da Upwor-
thy. Ela contou que a empresa
registrou um aumento de 65%
nos seguidores de Instagram e
47% nas visualizações do site
em março, em comparação ao
mês anterior.
A Upworthy foi fundada em
2012 com o compromisso de
contar histórias positivas. Na-
quela época, o algoritmo do Fa-
cebook parecia favorecer as
manchetes inspiradoras – tal-
vez você se lembre de que elas
tomavam todo o seu feed. Mas,
em 2013, a Upworthy e outros
sites de boas notícias viram
suas audiências caírem conside-

ravelmente depois que o Face-
book ajustou seu algoritmo.
As principais organizações
jornalísticas (entre elas o New
York Times ) criaram suas pró-
prias plataformas de notícias
boas ao longo dos anos. Agora,
mais do que nunca, os leitores
estão vendo a necessidade des-
se serviço. “É uma verdadeira
avalanche de pessoas escreven-
do para dizer o quanto precisam
dessas histórias, para contar
que leram determinada notícia
com lágrimas nos olhos”, disse
Allison Klein, que comanda o
blog Inspired Life no Washing-
ton Post. “As pessoas estão sem-
pre nos agradecendo por mos-
trar algo que as faz se sentirem
um pouco menos péssimas.”

Oferta e demanda. David
Beard, editor executivo das
newsletters da National Geo-

graphic , disse que a demanda
por boas notícias agora é muito
maior do que tudo que ele já viu.
“As pessoas estão procurando
um motivo para seguir em fren-
te”, justificou.
Em resposta, a National Geo-
graphic criou dois boletins de
notícias boas. Um deles fala
mais de crianças e famílias. O
outro é uma newsletter que não
traz nenhuma notícia de corona-
vírus, chamada Your Weekly Es-
cape (algo como “sua escapada
semanal”, em tradução livre).
“Às vezes, acho que é um aplica-
tivo de meditação, mas, na ver-
dade, é jornalismo”, disse
Beard. Os dois boletins “foram
uma reação a esse ataque de no-
tícias terríveis”, continuou.
O Washington Post também es-
tá correndo para atender à de-
manda. Além de publicar histó-
rias regularmente no Inspired
Life, a empresa dobrou a fre-
quência dos envios até então se-
manais de seu boletim de boas
notícias, The Optimist (que
Beard desenvolveu quando tra-
balhava na equipe) e criou The
Daily Break , que destaca uma his-
tória edificante por dia.
As boas notícias também fo-
ram um bálsamo para editores
independentes. Lori Lakin Hut-
cherson, fundadora e editora-
chefe da Good Black News, dis-
se que agora as histórias de seu
site estão se espalhando “feito
fogo na floresta”.
“É só olhar para os números
de compartilhamento”, obser-
vou. “As histórias estão ganhan-
do cerca de 12 vezes mais popu-
laridade do que o normal”. A
Good Black News sempre

atraiu uma audiência constante
de leitores negros, disse Lakin
Hutcherson, mas, nos últimos
dois meses, aumentou o afluxo
de interessados de fora de seu
público habitual.
Branden Harvey, fundador da
Good Good Good, disse que, ao
buscar essas
histórias, os
leitores não es-
tão necessaria-
mente procu-
rando uma fu-
ga das notí-
cias. “Mais do
que esquecer
um pouco a co-
vid-19, eles
querem uma
sensação ge-
nuína de espe-
rança no com-
bate à doen-
ça”, afirmou.
“Não é que as pessoas não
queiram notícias sobre o coro-
navírus”, destacou Lakin Hut-
cherson. “Elas só querem notí-
cias mais positivas, que mos-
trem as pessoas se unindo para
lutar contra tudo isso, oferecen-
do maneiras pelas quais os indi-
víduos podem ajudar.”
Assim como o Facebook im-
pulsionava notícias boas no iní-
cio de 2010, o Instagram se tor-
nou um bom lugar para a prolife-
ração de histórias positivas.
Elas se espalharam nos perfis de
memes mais populares nas últi-
mas semanas, e vários adminis-
tradores de contas começaram
a trocar histórias positivas num
grupo de bate-papo.
George Resch, expert do mun-
do dos memes de Instagram co-

nhecido online como
@Tank.Sinatra, criou uma con-
ta de notícias boas em 2017, de-
pois da passagem do furacão
Harvey. Ele publica em várias
plataformas, entre elas Twit-
ter e Facebook, mas disse que o
Instagram é o lugar onde as
postagens apresentam melhor
desempenho. “Estou vendo o
maior crescimento na minha
página desde o primeiro ano”,
garantiu.
A equipe por trás do World
Record Egg começou recente-
mente uma conta de boas notí-
cias no Instagram chamada
@Sunny_Side_News. O perfil
ganhou mais de 162 mil segui-
dores numa semana, sem ne-
nhuma promoção.
As contas de boas notícias
mais populares se dedicam a
fornecer histórias relaciona-
das ao coronavírus, mas sem-
pre com uma mensagem positi-
va e produtiva.
Alissa Khan-Whelan, funda-
dora da @Sunny_Side_News,
disse que toma muito cuidado
na hora de contar as histórias,
para mitigar o estresse dos lei-
tores e incentivar o comparti-
lhamento.
“Evitamos a linguagem nega-
tiva”, disse ela. “Outro dia, eu
poderia ter usado a palavra
‘morte’ na manchete. Mas aí
pensei: não quero que ninguém
veja essa palavra no feed. En-
tão, em vez dela, escrevi ‘vidas
perdidas’.” Mas os editores de
boas notícias disseram que as
histórias que trazem um tom
positivo demais também po-
dem acabar alienando os leito-
res. “Existe uma linha divisó-
ria”, explicou Resch. “Você não
pode passar sermão nem ser
muito piegas.”

Notícias para o bem público.
Os editores de notícias costu-
mam usar metainformação para
evitar que artigos sobre tragé-
dias venham com publicidade. E
as marcas que anunciam em
seus sites agora parecem adotar
uma aborda-
gem semelhan-
te, usando
softwares pa-
ra impedir que
seus anúncios
apareçam jun-
to com notí-
cias sobre co-
ronavírus, in-
formou o Wall
Street Journal.
Teorica-
mente, as boas
notícias deve-
riam consti-
tuir um espa-
ço seguro para as marcas, mas
alguns sites de histórias positi-
vas também estão sofrendo para
encontrar anunciantes.
“Nossos anunciantes não têm
muita certeza do que acontecerá
em um mês ou dois meses, en-
tão, estão segurando os gastos,
por enquanto”, disse Harvey, da
Good Good Good. “Poucas mar-
cas estão dispostas a abrir os co-
fres.” / TRADUÇÃO DE RENATO
PRELORENTZOU

Caderno 2


NO CAOS,

Daniel Martins de Barros


AS PESSOAS ESTÃO


EM BUSCA DAS


BOAS NOTÍCIAS


Com a enxurrada de manchetes devastadoras, jornais,


sites e redes sociais apostam nas histórias positivas


H


á duas semanas, confessei
aqui o cansaço do distancia-
mento, da quarentena, da
pandemia. A dificuldade de manter
o foco, convencer o cérebro a traba-
lhar, estipular prazos, equilibrar as
múltiplas tarefas. Era a falta de
hábito e de rotina, acreditava eu.
Embora desde o momento zero da
quarentena muitos tenhamos enfa-
tizado a importância de se criar
uma rotina, descobrimos que na
prática isso pode ser mais difícil do
que parece.
Vejo duas grandes dificuldades
nesse processo. A primeira, sobre a
qual já conversamos, é que em situa-

ções normais a própria vida dita o rit-
mo de nossos dias. A dificuldade na
quarentena é construir, em parte arti-
ficialmente, esses mesmos marcos pa-
ra nos orientar quando não estamos
saindo de casa.
Mas existe uma segunda dificulda-
de para a qual não atentamos. É estabe-
lecer alguns limites. Descobrir quan-
do podemos dar uma relaxada. No es-
critório, existe um momento em que
damos uma olhada para o relógio, de-
pois para o trabalho, e temos a sensa-
ção que chegamos a um ponto em que
dá para dizer “Ah, já está bom”. Calcu-
lamos intuitivamente o quanto já pro-
duzimos, o tempo que levaremos para

chegar em casa e concluímos que é
hora de parar – caso contrário, arrisca-
mos perder a oportunidade de descan-
sarmos um pouco antes de o dia termi-
nar. Quando já estamos em casa, por
outro lado, não temos esse parâme-
tro. Assim que a caneta cair da mão, já
poderíamos relaxar. Em tese, claro.
Porque, se não temos trânsito para en-

frentar, a pia de louça, o cesto de rou-
pa ou o volume de trabalho domésti-
co, comumente terceirizados, agora
estão lá, erguendo-se como obstácu-
los tão morosos como as condições de
tráfego. É preciso reaprender a calcu-
lar o momento “Ah, já está bom”. Algo

nada fácil de fazer.
O mesmo ocorre em todas as pau-
sas – do cafezinho que vamos tomar
com os colegas para dar uma respira-
da até o almoço, não é só o trabalho
que fica sem marcos claros. Os interva-
los também ficam soltos no tempo,
forçando-nos a lutar continuamente
contra a tentação de começá-los cedo
demais ou terminá-los mais tarde do
que deveríamos. E o que pode ser ain-
da pior: na tentativa de não ceder a
tais tentações, corremos o risco real
de passar por cima dessas importan-
tes pausas, ficando mais cansados do
que fora da quarentena.
Uma solução possível é dividir as
tarefas em blocos. Isso ficou claro pa-
ra mim com o novo hábito de fazer
ginástica na varanda. Minha professo-
ra de natação agora me dá treinos de
musculação online, enquanto não rea-

brem as piscinas. E, embora eu não
tenha qualquer gosto por esse tipo
de exercício, descobri que eles po-
dem ser muito melhores quando os
exercícios são empacotados. Dez
ou quinze repetições de um movi-
mento acabam logo; então, mesmo
que sejam penosas, elas dão uma
sensação de vitória (ou alívio)
quando completas. Antes de reco-
meçá-las, contudo, fazemos outro
exercício. Coloque três tipos de ati-
vidade, repita três vezes cada série,
e faça isso três vezes. De repente,
acabou. E, como entre as séries fi-
cam pequenos intervalos com dura-
ção preestabelecida, não é preciso
pensar em qual hora de parar e
quando voltar.
Pois é. Em tempos de quarente-
na, até para os intervalos precisa-
mos combinar as regras.

facebook/danielbarrospsiquiatra
ESCREVE QUINZENALMENTE

l]


Hora do intervalo


Em tempos de quarentena, até
para os intervalos precisamos
combinar as regras

SHAW NIELSEN/THE NEW YORK TIMES

NA WEB
Lista. ‘Estado’
reúne boas notícias
semanalmente

estadao.com.br/e/boas
6

AS HISTÓRIAS COM
TOM POSITIVO DEMAIS
PODEM ACABAR
ALIENANDO OS LEITORES

‘AS PESSOAS ESTÃO
PROCURANDO UM
MOTIVO PARA
IR EM FRENTE’

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