DOSSIÊ SUPER 11
Hoje, cientistas estimam que apenas 5%
dos processos cognitivos passem pelo
nosso controle racional. Os outros 95%
ficam no domínio do inconsciente.
desejos sobre os quais não
temos uma elaboração racional.
Essa “psicanálise do consu-
mo” transformou toda a pro-
paganda nos EUA e, posterior-
mente, no resto do mundo. Até
então, a ideia geral era de que,
se você expusesse ao consu-
midor todos os fatos e infor-
mações técnicas sobre um
produto, isso seria suficiente
para convencer as pessoas a
colocar a mão no bolso. A gran-
de contribuição de Edward
Bernays ao capitalismo foi uma
mudança do conceito de “você
precisa desse produto” para o
de “esse produto vai melhorar
sua autoestima”.
Afinal, a ideia de que, ao fu-
mar, as mulheres se tornariam
mais poderosas e livres é com-
pletamente irracional – e até
absurda. Fumar só deixa a
gente sem fôlego, com a pele
ruim e provoca câncer. Mas,
de fato, na época, e até bem
pouco tempo atrás, essa “con-
quista” deu às mulheres um
sentimento de independência.
Mexer com as nossas emo-
ções ocultas foi tão importan-
te para a economia naquelas
primeiras décadas do século
passado quanto ainda é hoje.
E isso se comprova com uma
simples ida ao supermercado.
Você acha mesmo que faz de-
cisões racionais quando está
rodeado por centenas ou mi-
lhares de produtos? Não é bem
assim: diante de cada barra de
chocolate ou macarrão instan-
tâneo na prateleira, nosso cé-
rebro toma uma decisão de
compra antes que a consciência
entre em ação. O núcleo ac-
cumbens, que é a parte cerebral
responsável por fabricar boas
sensações, avisa baixinho que
você gosta muito de miojo sa-
bor galinha caipira. Ele sabe
que você adora aquele gosto
ultraforte de tempero químico
e então inunda seu cérebro com
dopamina – o hormônio do
prazer. Você não pensa cons-
cientemente em nada disso. Só
tem uma sensação boa e deci-
de pegar logo cinco pacotes de
miojo (é tão baratinho...).
Repare também que as frutas
e legumes costumam ficar bem
na entrada do Pão de Açúcar.
É assim porque produtos sau-
dáveis logo de cara aplacam os
opositores da nossa mente. No
córtex insular, responsável por
estímulos emocionais e res-
postas fisiológicas, processa-
mos um sentimento de rejei-
ção a tudo o que é ruim no
mercado: cheiro de peixe po-
dre, preços altos e comida que
faz mal. Se essa parte do cé-
rebro fica agitada, não com-
pramos nada. Mas a entrada
do mercado cheia de “produtos
paz e amor” dá uma anestesia-
da nesse desmancha-prazeres.
Então assumimos que ali é
lugar de gente feliz e enche-
mos o carrinho também nas
seções de produtos industria-
lizados – e bem mais caros.
Se desconfiasse que suas
ideias acabariam virando isca
em ações promocionais do
varejo, para vender de lingerie
a carro usado, Freud talvez
jogasse tudo o que escreveu
na lixeira. Mas ele teve reco-
nhecimento ainda em vida
pelo alcance muito maior de
suas teorias, de modo que pro-
vavelmente morreu satisfeito
com sua criação.
O fato é que a investigação
moderna sobre os nossos pro-
cessos mentais, e especialmen-
te sobre como eles influenciam
nossas emoções e comporta-
mentos – no uso do cartão de
crédito, no tesão, na paz e na
guerra –, só chegou a esse pa-
tamar sofisticado graças à prin-
cipal contribuição de Sigmund
Freud para o pensamento do
século 20: o inconsciente.
O poço dos desejos
TUDO O qUE vOcÊ já lEU ou ainda vai ler
sobre Freud passa pela ideia do incons-
ciente. Complexo de Édipo, mecanismos
de defesa do ego, pulsão de morte...
nenhuma dessas coisas aconteceria de
forma consciente na cabeça da gente.
Você nunca pensa, entre uma estação
e outra do metrô, “opa, agora me deu
uma vontade meio louca de matar
o meu pai e casar com a minha mãe.
Mas, como isso é bizarro, vou só falar
mal dos discos de bolero que o velho
gosta”. Ou então: “Meu marido é um
traste, me trai toda sexta-feira, quando
diz que vai jogar bola com os amigos,
mas eu finjo que não sei para preservar
a minha saúde mental dessa situação
degradante”. Segundo Freud, embora
esses desejos e autodefesas existam e
influenciem as nossas atitudes e até a
nossa personalidade, na maior parte do
tempo eles ficam reclusos lá no fundão
da nossa mente – uma parte que, aliás,
toma conta do negócio todo.
Hoje, mais de um século depois dos pri-
meiros postulados de Freud sobre o as-
sunto, está claro para qualquer um que,
uma hora ou outra, somos traídos por
desejos secretos, fantasias e medos que
não admitimos nem para nós mesmos.
Por outro lado, essa compreensão da
influência do inconsciente é motivo de
esperança: a de que nossas ansiedades,
timidez, maus comportamentos, nossas
relações pessoais e até o empenho dian-
te de objetivos de vida... tudo isso pode
ser mais trabalhado. Quiçá na terapia.
Mas essa descoberta do pai da psicanáli-
se nunca teria existido se não houvesse,
antes, uma filosofia toda dedicada a
escrutinar os mistérios do pensamento.
“Poetas e filósofos descobriram o
inconsciente antes de mim; o que eu
descobri foi o método científico para
estudá-lo”, Freud admitiu. Bom, nem
sempre era tão científico assim. Mas o
que importa agora é que ele tinha razão
ao reconhecer que, se foi o grande teóri-
co do inconsciente, não foi seu inventor.
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