Dossiê Superinteressante - Edição 415-A (2020-05)

(Antfer) #1

44 FREUD


E no ânus, pode? Freud não vê nada
de ruim no sexo anal e diz que “é o
nojo que marca essa meta sexual como
perversão”. Crê ainda que o nojo que
algumas pessoas sentem à ideia de usar
o “órgão excretor traseiro” para o sexo
não tem mais fundamento que aquele
que se sente diante do pênis, “que ser-
ve para urinar”.
Os podólatras, por exemplo, no que
direcionam seu interesse sexual para
o pé ou o calçado de alguém, estão
substituindo o objeto sexual normal (a
pessoa inteira) por uma parte dele (o
pé) ou algo associado a ele (o sapato de
salto alto). Isso por causa de uma su-
perestimação sexual, que acha mara-
vilhoso tudo o que diz respeito à pes-
soa desejada e que, dessa forma, é in-
capaz de restringir-se à meta sexual da
união dos genitais.
Em outros casos de fetichismo, o ob-
jeto sexual deve responder a uma pre-
condição para que a meta sexual seja
alcançada. Por exemplo, vestir-se de
enfermeira ou fantasiar-se de policial
ou bombeiro.
“Na escolha do fetiche se revela a con-
tínua influência de uma impressão
sexual geralmente recebida no começo
da infância”, define Freud, fazendo men-
ção a uma época em que nos vestiam
de caubóis, índios ou bailarinas e achá-
vamos o máximo.
Voyeurs, exibicionistas e até pessoas
que sentem prazer sexual ao assistir a
alguém fazendo xixi ou cocô são per-
versos fixados em metas sexuais pro-
visórias, que não vão chegar à meta
sexual definitiva – a cópula. Essa meta
temporária faz parte do processo da
meta normal, já que um dos primeiros
estímulos no ato sexual é a visão da
nudez do parceiro, mas vira uma per-
versão quando a pessoa não quer saber
de mais nada além de ficar ali, só nes-
sas preliminares.
Sádicos, para Freud, são os indivídu-
os nos quais um componente agressi-
vo – natural no impulso sexual – ganha
vida própria, é exacerbado e se torna
meta sexual, um fim em si.
E os masoquistas? Freud aponta que
são uma derivação do sentimento sá-
dico – voltado, no caso, para si mesmo.
Para o pai da psicanálise, mais do que
sádicos e masoquistas, o que há são
sadomasoquistas, pessoas que incor-
poram atividade e passividade diante

da dor. No entanto, a realidade dos
clubes S&M parece mostrar uma dis-
tinção entre mestres e servos. Freud
explica: o fato de haver os que gostam
mais de bater e os que curtem apanhar
até sair sangue é só, segundo o gênio
austríaco, o lado ativo ou passivo da
perversão prevalecendo.
O fato é que, com seus livros e ensaios,
Freud acabou revelando que o objetivo
da sexualidade – apesar dos dogmas
religiosos – não é a procriação, e sim a
obtenção de um prazer que é seu próprio
caminho e fim. E isso não é uma ques-
tão cultural de uma sociedade secula-
rizada. Os homens das cavernas já
partiam para cima das mulheres, e de
outros homens, atrás de satisfação se-
xual – não estavam pensando “oba, vou
fazer uns cinco filhos hoje”.
Freud ainda demonstrou que a mas-
turbação, para a criança, é tão natural
quanto buscar o seio da mãe. É uma
procura de sensações prazerosas. E que,
portanto, não deveria ser motivo de
recriminação ou de intervenção médi-
ca nenhuma.
Disse ainda que todo mundo tem um
pouco de perversão – e que, na dose
certa, isso não faz mal a ninguém. E
que a homossexualidade é apenas um
lado de uma bissexualidade inata – da
humanidade inteira. Como você vai ver
na página ao lado.

Na psique dos podólatras, há
a substituição de um objeto
sexual (a pessoa inteira) por
uma parte dele (pé ou sapato).
Para Freud, é um exagero que
acha irresistível qualquer coisa
que venha da pessoa desejada.

“Na escolha
do fetiche
se revela
a contínua
influência
de uma
impressão
sexual
recebida no
começo da
infância.”

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