Dossiê Superinteressante - Edição 415-A (2020-05)

(Antfer) #1

56 FREUD


super


ego


Já vimos as instâncias guiadas pelos prin-
cípios do prazer e da realidade. Agora vamos
tratar daquela que segue o que poderíamos
chamar de “princípio do dever”. O superego se
baseia nos valores da sociedade e nas regras de
conduta que herdamos dos nossos pais para
agir como um juiz das nossas intenções – um
tipo de árbitro de futebol cheio de cartões
vermelhos no bolso. Essa é a parte moral
da nossa personalidade, a fonte dos nossos
pensamentos de autocontrole que vão servir
para empatar o jogo contra os impulsos “vamos
que vamos” do id.
Diferentemente do ego, que tenta adiar a gra-
tificação do id para momentos e locais mais
adequados, o superego tenta barrar mesmo
qualquer satisfação. Vê sempre o lado vazio do
copo. Outra diferença essencial é que, mesmo
que o ego e o superego cheguem à mesma con-
clusão sobre alguma coisa – afinal, ambos têm
funções de censura –, o superego tem esse
raciocínio por motivos morais, enquanto o pé
atrás do ego tem base nas consequências que
a ação pode acarretar.
“Meu deus, o que os outros vão pensar?” é
o ego questionando o id. “Não vai fazer isso
nem a pau, essa ação é errada e indecente”,
diria o superego.
Segundo Freud, o surgimento dessa instância
repressora tem tudo a ver com o complexo de
Édipo. Num primeiro momento da nossa infância,
quando esse complexo está a todo vapor, nossos
impulsos são contidos pela autoridade dos pais,
que estão sempre alternando suas provas de amor
com advertências e punições – a menininha acha
graça em jogar o iogurte no chão, e lá vem uma
reprimenda para acabar com a alegria. Quando,
então, a criança supera o complexo de Édipo – e
seu universo passa a se estender para além da
relação com os pais –, essas proibições são inter-
nalizadas. Você mesmo assume os “não pode”, “não
deve”, “para com isso”, que antes vinham só da
boca do papai e da mamãe – para Freud, princi-
palmente do papai. “O superego conservará o
caráter do pai, e quanto mais forte foi o complexo
de Édipo, tanto mais rapidamente (sob influência
de autoridade, ensino religioso, escola, leituras)
ocorreu sua repressão, tanto mais severamente o
superego terá domínio sobre o ego como consci-
ência moral, talvez como inconsciente sentimen-

to de culpa.” E segura que lá vem mais um bocado
da perspectiva machista de Sigmund Freud.
A fase edipiana do menino termina quando,
sob a ameaça de castração representada pelo
pai, o moleque renuncia ao desejo pela mãe,
passando a se identificar com as proibições e
regras das quais o pai é o portador – ou era,
nos tempos de Freud, quando o homem seria
sempre o chefe da casa. É assim que a interna-
lização de um sistema de obrigações e ideais,
ligado à figura paterna, gera essa parte da per-
sonalidade no menino. Ou seja, o medo de
perder o pinto por causa dos seus desejos faz
nascer o superego.
E nelas? Afinal, menina não tem pinto para
perder. O complexo de Édipo funciona de
forma diferente aqui: a garota se revolta com
a mãe, achando que ela é a culpada pela sua
ausência de pênis, e volta seu desejo na dire-
ção do pai – já que ele tem o que ela inveja.
Assim, enquanto o medo da castração faz o
menino sair do complexo de Édipo, é a cons-
tatação de que “é castrada” que faz a menina
entrar nesse complexo. Freud não descobriu
direito por que a menina uma hora acaba dei-
xando a fase edipiana para trás. Mas o que
importa agora é algo que ele acha que desco-
briu: se a menina já “é castrada”, e assim não
tem um pênis para colocar em risco, ela é um
tipo de ser humano sem nada a perder.
O superego, por isso, seria frágil nas mulheres,
o que explicaria a visão de que “mulher é tudo
louca”: segundo Freud, elas falham na sua mo-
ralidade, falham na tomada de decisões racionais,
são impulsivas e precisam de alguém – um ho-
mem, claro – que as contenha.
E a comparação negativa para o lado das mu-
lheres não para aí. O superego, além de fazer
papel de censor e agente da moral e dos bons
costumes, é a principal instância de aperfeiço-
amento do indivíduo – tem funções educativas,
é transmissor dos valores da sociedade e da
ética dos pais. Assim, busca a construção de
um ideal de pessoa. Já a mulher, com seu su-
perego subdesenvolvido, teria problemas de
caráter. A ponto de Freud acreditar que, devi-
do à bissexualidade inerente a todo indivíduo,
o homem nunca atingirá uma condição de
suprassumo da humanidade. Afinal, tem em si
uma porção feminina estragando tudo.

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