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para o fim definitivo das guerras entre países
- ainda que, pelo tom, dê para perceber que
ele mesmo não acredite muito nisso.
“Quanto tempo teremos de esperar até que os
outros também se tornem pacifistas? Não há
como dizer, mas pode ser uma esperança utópi-
ca que a influência desses dois fatores, da atitu-
de cultural e do justificado medo das consequ-
ências de uma guerra futura, venha a terminar
com as guerras num tempo não muito distante.
Por quais meios ou rodeios, não chego a perceber.”
Essas passagens na carta de Freud sobre pul-
sões amorosas e destruidoras, e a vida em so-
ciedade agindo contra os impulsos que existem
no inconsciente de cada indivíduo, são uma
extensão das teorias que, na época, ele já tinha
explicado em duas obras: Além do Princípio do
Prazer (1920) e seu maior best-seller, O Mal-
-Estar na Civilização (1930).
Neste último, aliás, Freud faz menção ao an-
tissemitismo nazista que culminaria na Segun-
da Guerra, nove anos depois, e seria a razão pela
qual ele seria obrigado, quase no fim da vida, a
deixar Viena em busca de um abrigo seguro em
Londres, distante da polícia política de Hitler. “O
Diabo seria o melhor expediente para desculpar
Deus, teria a mesma função de descarga que têm
os judeus no mundo do ideal ariano.”
Mas vamos começar essa investigação das
origens do ódio, segundo Sigmund Freud,
pelas energias conflitantes que respondem
pelos nossos ímpetos de fazer amor e fazer
chacinas – às vezes, ao mesmo tempo. As pulsões
de vida e de morte.
“Vigora no
homem uma
necessidade
de odiar e
aniquilar.
Ela pode ser
despertada
e se inten-
sificar
em psicose
de massa.”
Pulsão de vida
Como o próprio nome diz, é um im-
pulso do bem. A pulsão de vida pode
ser representada pelas ligações amo-
rosas que estabelecemos com outras
pessoas e conosco mesmo. A ideia,
derivada das teorias da sexualidade de
Freud, é unir para construir: fazer li-
gações para constituir unidades cada
vez maiores e mantê-las. Ter filhos e
cuidar desses descendentes, que você
precisa ver sempre saudáveis e com
boas notas na escola, faz todo o sen-
tido. Mas é só um exemplo. No extre-
mo do pensamento freudiano, um cor-
po multiplica suas células e as une para
manter um organismo vivo graças à
energia orgânica da pulsão de vida.
Essa pulsão traz em si impulsos eró-
ticos e de autoconservação. Foi por
causa dos primeiros que Freud relacio-
nou a pulsão de vida à figura de Eros,
o deus grego do amor. Já quando você
tem impulsos voltados a se desviar de
perigos – reais ou imaginários –, é a
sua pulsão de vida trabalhando para
salvar a sua pele.
Pulsão de morte
Freud percebeu, ao longo de sua práti-
ca clínica, que muita gente gosta de
repetir experiências dolorosas – pes-
soas que toda hora se colocam em si-
tuações nas quais, elas sabem, vão aca-
bar se dando mal. Uma mulher que só
escolhe namorados cafajestes – vai
trocando de companheiro, mas sempre
acaba traída e sofrendo. Ou um homem
que se envolve nos piores empreendi-
mentos do mundo, negócios que não
podem dar certo... Parecia a Freud que
as pessoas gostam de dar murro em
ponta de faca – procuram irracional-
mente repetir uma vivência negativa.
O pai da psicanálise identificou nes-
se comportamento uma compulsão à
repetição, que sobrepuja o princípio do
prazer. Freud logo relacionou essa von-
tade irresistível com uma tendência
autodestrutiva do ser humano. E foi aí
que passou a teorizar aquilo a que cha-
mou de pulsão de morte.
Ele concluiu que as pulsões orgânicas
são voltadas para o restabelecimento de
algo anterior – para uma repetição. “Se-
ria contrário à natureza conservadora
das pulsões que o objetivo de vida fos-
se um estado nunca antes alcançado”,
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