Piauí - Edição 152 [2019-05]

(Antfer) #1

pouquíssimos que não souberam no mesmo dia ficaram com a impressão
de terem faltado a um compromisso com o resto do mundo.


E cada um ia em busca do que estava fazendo no exato instante em que o
primeiro avião tocou a torre do World Trade Center, em que os casais
pularam para o vazio de mãos dadas. Não havia qualquer relação entre
uma coisa e outra, exceto estarmos vivos ao mesmo tempo que os 3 mil
seres humanos prestes a morrer, mas, quinze minutos antes, ignoravam o
que lhes aconteceria. Lembrávamos que naquele momento estávamos no
dentista, na estrada, em casa lendo, nessa estupefação da
contemporaneidade percebíamos da mesma maneira precária o que
separava as pessoas na Terra e o que as unia. E nosso desconhecimento
do que se passava em Manhattan no mesmo segundo em que olhávamos
uma tela de Van Gogh no Museu d’Orsay era igual ao que tínhamos do
momento da nossa morte. Entretanto, no meio do fluxo insignificante dos
dias, aquela hora, que continha tanto as torres do World Trade Center
destruídas como um compromisso no dentista ou uma revisão agendada
do carro, estava salva.


O 11 de Setembro repelia todas as datas que tinham nos acompanhado
até então. Do mesmo modo que dizíamos “depois de Auschwitz”,
passamos a dizer “depois do 11 de Setembro”, um dia único. Aqui
começava alguma coisa que não sabíamos o que era. O tempo também se
globalizava.


Mais tarde, ao nos lembrarmos dos fatos que, com hesitação, situávamos
em 2001 – uma tempestade em Paris no final de semana de 15 de agosto,
um massacre no banco Caisse d’Epargne de Cergy-Pontoise, o Big
Brother, o lançamento do livro A Vida Sexual de Catherine M. –,
ficaríamos surpresos que todos eles tivessem ocorrido antes de 11 de
Setembro e impressionados ao constatar que nada os distinguia dos fatos
que se passaram depois, em outubro ou novembro. Todos eles tinham
retornado ao estado flutuante do passado e retomado sua liberdade em

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