National Geographic - Portugal - Edição 218 (2019-05)

(Antfer) #1
LEONARDO 37

conservar em cada intervenção cardíaca que realiza. “Essa foi a mudança
de paradigma”, diz Wells, que compilou os seus conhecimentos num livro
de 256 páginas: “The Heart of Leonardo” [sem tradução portuguesa].
A um continente de distância, o Codex de Leonardo sobre o Voo das Aves
impregnou na totalidade o Laboratório de Investigação e Design Bio-Ins-
pirados (BIRD) da Universidade de Stanford, dirigido pelo biólogo e enge-
nheiro mecânico David Lentink. Quando o visito, David dá-me uma folha
com questões exploradas por Leonardo que ele e os seus dez alunos de pós-
-graduação ainda estão a tentar responder: de que modo o movimento das
asas no ar gera propulsão? Como controlam os músculos das aves o bati-
mento das asas? Como planam as aves? “Todas as suas perguntas ainda são
relevantes”, diz o investigador.
David Lentink e a sua equipa têm acesso a ferramentas de tecnologia
avançada. Os sensores e a fotografia de alta velocidade permitem-lhes me-
dir a força de sustentação gerada pelas aves no voo. Uma secção de um tú-
nel de vento com quase dois metros, com condições personalizadas, simula
uma atmosfera serena ou uma atmosfera de turbulência, fornecendo pistas
sobre como as asas das aves mudam de forma.
Um dos projectos mais importantes do laboratório é uma ave mecânica
chamada PigeonBot, que tem asas com penas elaboradas por Laura Matloff
e um sistema de controlo de rádio dirigido pelo bolseiro de pós-graduação
Eric Chang. Laura utilizou um microscópio com raios X, para determinar as
características das penas. O esqueleto e os conectores, que fixam as penas,
foram fabricados numa impressora 3D. O PigeonBot está equipado com ace-
lerómetro, giroscópio, barómetro, sensor de velocidade aérea, GPS, bússolas
e radiotransmissores que passam informação sobre o voo a um computador.
Encontrei-me com os dois para um teste de voo. Quando Eric Chang diz:
“Pronto!”, Laura Matloff lança o robot ao ar. Vemo-lo voar cerca de dez me-
tros num segundo até Eric o fazer aterrar. O PigeonBot não é só um enge-
nho para dar nas vistas. O processo de retroengenharia de uma ave permite
aos cientistas estudar a mecânica de voo passo a passo e compreender me-
lhor a função de cada parte do corpo, tarefa que Leonardo não seria capaz
de concluir. A engenharia contemporânea poderá, um dia, recompensar a
curiosidade fervorosa de Leonardo respondendo aos mistérios que o fasci-
naram.“Achoquevamoslá chegar”, diz David Lentink.


os cadernos de apontamentos de Leonardo incluem pensamentos
especulativos com potencial. Desenhos contidos no Codex Atlanticus e em
vários cadernos de apontamentos mais pequenos levaram o pianista polaco
Sławomir Zubrzycki a investigar. Ele ansiava por ouvir a música de Leonardo.
Entre muitos interesses, Leonardo improvisava melodias na lira da braccio,
um instrumento de cordas do Renascimento, e estudava a complexidade da
acústica e das composições musicais nos seus cadernos. Em 2009, Sławomir
Zubrzycki deu por si hipnotizado pelos esboços de uma viola organista, um
instrumento de teclas com cordas arqueadas. Cativado pela possibilidade de
um instrumento fundir duas famílias musicais, o pianista decidiu construí-lo.
Em nenhum dos desenhos Leonardo fornecia uma matriz pormenoriza-
da. Durante quatro anos, Sławomir passou cinco horas por dia a investigar
e a formular o seu design. Testou amostras de madeira, decidiu que pre-
cisaria de 61 teclas e desvendou o enigma de como construir quatro arcos
circulares revestidos a crina de cavalo, com capacidade para friccionar as
cordas e gerar música. Para dar vida ao instrumento, baseou-se na mesma
força vital que motivara Leonardo: a imaginação.

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