O Estado de São Paulo (2020-05-22)

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O ESTADO DE S. PAULO SEXTA-FEIRA, 22 DE MAIO DE 2020 Economia B


Idiana Tomazelli / BRASÍLIA


Encorajadas por uma fala do
presidente Jair Bolsonaro,
empresas estão recorrendo a
um artigo da lei trabalhista
para fazer demissões em mas-
sa sem o devido pagamento
de verbas rescisórias. O Mi-
nistério Público do Trabalho
já recebeu denúncias de ca-
sos, instaurou inquéritos ci-
vis e não descarta ações civis
coletivas contra as compa-
nhias que adotaram a prática.
As empresas estão alegando o
chamado “fato do príncipe” –
quando o negócio é obrigado a
fechar por um ato da autorida-
de municipal, estadual ou fede-
ral – para repassar o pagamento
a governadores e prefeitos, ad-
versários de Bolsonaro no “ca-
bo de guerra” em torno das po-
líticas de isolamento social. O
presidente defende um relaxa-
mento da quarentena, mas o
STF garantiu a Estados e muni-
cípios autonomia para determi-
nar regras de funcionamento
das atividades econômicas.
Como consequência, cente-
nas de trabalhadores demitidos
estão ficando sem a renda men-
sal e sem a reserva financeira
que teriam com o pagamento to-
tal da rescisão. No lugar disso,
recebem a informação de que as
indenizações ficarão a cargo do
governo estadual. O uso do arti-
go da CLT pelas empresas foi
antecipado pelo jornal Valor
Econômico.
Em 27 de março, Bolsonaro
declarou que Estados e municí-
pios podem ser responsabiliza-
dos por encargos trabalhistas
de estabelecimentos que demi-
tirem após serem obrigados a
fechar. “Tem um artigo na CLT
(Consolidação das Leis do Traba-
lho) que diz que todo empresá-
rio, comerciante, etc. que for
obrigado a fechar o seu estabele-
cimento por decisão do respec-
tivo chefe do Executivo, os en-
cargos trabalhistas quem paga é
o governador e o prefeito”, dis-
se o presidente na ocasião.
O Estadão mostrou ontem
que a crise do coronavírus já res-
ponde por 20% das novas ações
trabalhistas. Nos últimos 30
dias, cerca de 10 mil trabalhado-
res procuraram a Justiça, alegan-
do que foram demitidos em fun-
ção da pandemia e não recebe-
ram o conjunto ou parte das ver-
bas rescisórias.
A visão entre técnicos do pró-
prio governo, no entanto, é de


que a situação atual não é um
típico “fato do príncipe”. Já o se-
cretário de Relações Institucio-
nais da Procuradoria-Geral do
Trabalho, Márcio Amazonas,
afirma que a tese usada pelas em-
presas é “perigosa” e cria insegu-
rança jurídica. Para ele, a situa-
ção é preocupante e há espaço
para ação do MPT.
“Numa época de pandemia,
em que se espera que seja cumpri-
da a função social da empresa,
em vez de dividir essa conta (da
crise) com os trabalhadores a em-
presa está passando para o Esta-

do e deixando os trabalhadores à
míngua. Isso é um ato antiético.”

Denúncias. No Rio, a Procura-
doria Regional de Trabalho rece-
beu uma denúncia de que 690
funcionários da churrascaria Fo-
go de Chão foram demitidos em
todo o País sob a alegação do “fa-
to do príncipe”. Um inquérito ci-
vil já foi instaurado para apurar
indícios de lesão coletiva a direi-
tos sociais garantidos pela Cons-
tituição aos trabalhadores.
Uma carta enviada ao gover-
no estadual do Rio diz que a Fo-

go de Chão (que desde 2018 per-
tence ao fundo de investimen-
tos americano Rhône Capital)
depositaria na conta dos empre-
gados o saldo de férias, o adicio-
nal de um terço e o 13.º propor-
cional em até dez dias. Não hou-
ve comprovação dos pagamen-

tos. Além disso, alguns emprega-
dos receberam parte das verbas
rescisórias, que incluem o aviso
prévio e a multa de 40% sobre o
FGTS, enquanto outros não re-
ceberam nenhuma parcela.
Em Salvador, a juíza da 3.ª Va-
ra do Trabalho, Isabella Borges

de Araújo, determinou em 30 de
abril que uma empresa de trans-
portes reintegre dez funcioná-
rios demitidos durante a pande-
mia do novo coronavírus. As dis-
pensas também haviam ocorri-
do sob a justificativa do existên-
cia do “fato do príncipe”.

Adriana Fernandes / BRASÍLIA


Para ganhar tempo até o dese-
nho de uma nova política para
os programas sociais do gover-
no, uma das opções do ministro
da Economia, Paulo Guedes, é
dar mais uma parcela do auxílio
emergencial de R$ 600, mas
com o valor dividido ao longo
de três meses. Essa é uma das
opções que estão na mesa de ne-
gociação da equipe econômica.
Pelo cronograma atual, são
previstas três parcelas do auxí-
lio emergencial. Agora, o gover-
no estuda ampliar o benefício,
desde que o pagamento por
mês seja menor.
Seria um modelo de transi-
ção até que possam ser reformu-


lados os programas sociais e en-
contrada fonte de recursos para
bancar o aumento de gastos per-
manentes. Uma negociação
que terá de ser feita com o Con-
gresso para não estourar o teto
de gastos (mecanismo que proí-
be o aumento das despesas aci-
ma da inflação) a partir do ano
que vem, quando não haverá
mais o orçamento de guerra
(que livrou o governo de cum-
prir algumas das amarras fis-
cais para ampliar os gastos no
combate à pandemia).
A ideia é unificar os progra-
mas sociais com o fortalecimen-
to do Bolsa Família. A reformu-
lação já estava em curso antes

da pandemia e agora ganhou ur-
gência.
O custo adicional da exten-
são do auxílio emergência fica-
ria em torno de R$ 35 bilhões a
R$ 40 bilhões, diluído em três
meses. Sem a ampliação, o bene-
fício já terá impacto de R$ 124
bilhões nos cofres públicos.
Fontes da área econômica
afirmam que a pressão pela ex-
tensão do programa nos mol-
des atuais é grande por conta do
longo período do isolamento,
mas não há recursos para ban-
car o acréscimo do programa de
auxílio emergencial no valor de
R$ 600 por mais tempo.
A pressão parte do Congres-
so, que tem apresentado pro-
postas para a ampliação da rede
de proteção social após a pande-
mia da covid-19, que diminuiu a
renda da população e aumen-
tou a pobreza no País.
O ministro da Economia,
Paulo Guedes, diz que é preciso
encontrar o equilíbrio “delica-
do” do auxílio na fase pós-isola-

mento. Ele descarta, porém, es-
tender o auxílio por três meses
no valor de R$ 600. “Não tem
condições de estender tanto
tempo”, afirma a interlocuto-
res.
O presidente da Câmara, Ro-

drigo Maia (DEM-RJ), disse ter
a “impressão” de que será neces-
sário prorrogar o pagamento do
auxílio. Ele não deu detalhes de
valores, nem do período pelo
qual essa renda poderia ser pror-
rogada. “Não podemos esque-

cer que o auxílio emergencial é
fundamental. Se a crise conti-
nuar ele vai ser tão importante
como está sendo agora”, disse.
Segundo o presidente da Câ-
mara, no entanto, é importante
definir de onde sairão os recur-
sos para evitar que sejam cria-
das novas despesas. “Já colo-
quei alguns parlamentares para
estudar isso, para ter uma pro-
posta que a gente possa fazer ao
governo de, se necessário for,
continuar com o programa.”

‘Acima do previsto’. Em entre-
vista ao canal do YouTube do
jornalista Magno Martins, o pre-
sidente Jair Bolsonaro disse
que o pagamento do auxílio
emergencial está “muito acima
do previsto” e já contempla 51
milhões de brasileiros. “Entra a
mãe solteira, outras pessoas e
aí extrapola. E ainda querem
prorrogar. Podem até prorro-
gar, agora paguem a conta de-
pois. Subam de R$ 600 para R$
10 mil e aí ninguém trabalha.
Querem rodar dinheiro, mas aí
depois vem a inflação”, disse
Bolsonaro. / COLABOROU CAMILA
TURTELLI

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Governo estuda pagar mais R$ 600 em três parcelas


lOs pedidos de seguro-desem-
prego aumentaram 76,2% na pri-
meira quinzena de maio na com-
paração com o mesmo período
de 2019. De acordo com balanço
divulgado pelo Ministério da Eco-
nomia, foram 504.313 solicita-
ções. No ano passado, nesse pe-
ríodo, foram 286.272 pedidos.
O Ministério da Economia esti-
ma que haja uma fila de 250 mil
solicitações represadas do perío-

do em que as agências do Sine
estavam fechadas. O número ain-
da representa avanço de 4,9% na
ante a segunda quinzena de abril
deste ano (480.848).
O Estado com mais pedidos foi
São Paulo (149.289), seguido por
Minas Gerais (53.105) e Rio de
Janeiro (42.693). Nesse período,
77,5% dos pedidos foram feitos
via internet. Depois de um decre-
to no fim de abril ter definido o
processamento de seguro-de-
semprego como serviço essen-
cial, porém, as solicitações pre-
senciais aumentaram 58,5% em
relação à segunda quinzena de
abril. / LORENNA RODRIGUES

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lAjuste
Inicialmente, o governo propôs
auxílio de R$ 200, mas quando o
Congresso indicou que ia aumen-
tá-lo para R$ 500, Bolsonaro deu
aval para que deputados e sena-
dores estipulassem em R$ 600

‘Causador foi


o vírus’, diz


ministro do TST


Arrecadação de tributos tem pior abril desde 2006. Pág. B6}


Proposta é estender por


novo período vigência


do auxílio emergencial


até reformulação dos


programas sociais


Pedidos para sacar


seguro-desemprego


têm alta de 76,2%


NILTON FUKUDA/ESTADÃO–29/7/

Empresas tentam


repassar custos de


demissão a Estados


Ações para não pagar verbas rescisórias se baseiam em artigo da


CLT mencionado por Bolsonaro; Ministério Público abre inquéritos


Abrangência. Crise do coronavírus já responde por 20% das novas ações trabalhistas

O ministro do Tribunal Supe-
rior do Trabalho (TST) Alexan-
dre Agra Belmonte disse ao Esta-
dão/Broadcast que, em sua ava-
liação, governos estaduais e mu-
nicipais que determinaram pa-
ralisação de atividades não agi-
ram por critério de conveniên-
cia e oportunidade. “O artigo é
inaplicável na covid-19. Não foi
ele (governo) o causador. O cau-
sador foi o vírus.”
Com base na Medida Provisó-
ria 927, que dá alguma flexibilida-
de às empresas nas relações tra-
balhistas durante a crise, o Minis-
tério Público do Trabalho reco-
nhece que o atual estado de cala-
midade é hipótese de força
maior para fins trabalhistas. Nes-
ses casos, a empresa paga multa
menor sobre o FGTS (20%),
mas ainda assim precisa honrar
outras verbas rescisórias.
Procurada, a Fogo de Chão in-
formou que a demissão alcan-
çou 439 pessoas, número me-
nor que o apurado pela Procura-
doria-Geral do Trabalho do Rio
de Janeiro. A assessoria da rede
disse que os dispensados foram
indenizados com “o que era de-
vido do proporcional do 13º, sa-
lário e férias, além de 20% da
multa do FGTS, seguindo as
normas do Artigo 486 da CLT”.
Já o governo do Rio informou,
por meio da Secretaria de Esta-
do de Trabalho e Renda, que as
medidas restritivas “não têm co-
mo causa o livre poder de esco-
lha da administração pública”,
mas sim a pandemia do novo co-
ronavírus. Procurado, o Planal-
to não se pronunciou. / I.T.
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