O Estado de São Paulo (2020-06-01)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-12:20200601:
A12 SEGUNDA-FEIRA, 1 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ROBSON


MORELLI


Esportes


Ciro Campos


Uma sala que permaneceu
trancada e esquecida por vá-
rios anos dentro do estádio
Jayme Cintra é uma das espe-
ranças para o Paulista, de Jun-
diaí, começar a se reerguer
após anos de insucessos no fu-
tebol e inúmeros problemas
financeiros. A nova diretoria
do clube encontrou no local
abandonado uma série de
itens antigos, em especial um
pacote de 25 medalhas pelo tí-
tulo da equipe na Copa do
Brasil de 2005. Um dos itens
da premiação foi vendido em
uma rifa e outros ainda de-
vem ser leiloados para ajudar
a arrecadar dinheiro.
Com 111 anos de história, o
Paulista vive durante a pande-
mia da covid-19 um período de
intensas transformações. O lí-
der da torcida organizada do ti-
me, Rodrigo Alves, topou assu-
mir como presidente gestor de-
pois de o cargo ficar vago e en-
controu uma situação bastante
complicada. O clube está regis-
trado em quatro diferentes nú-
meros do Cadastro Nacional de
Pessoas Jurídicas (CNPJs), faz
campanha ruim na Série A-3 es-
tadual e acumula R$ 60 milhões
em dívidas.
O cenário difícil não desani-
mou o jovem presidente – tem
apenas 30 anos. Ele recebeu
cumprimentos de líderes de ou-
tras organizadas após tomar


posse e entende ser o momento
de o clube se reinventar. “Nos-
sa torcida é apaixonada e está
comprando a ideia das ações
que estamos fazendo durante a
pandemia para arrecadar di-
nheiro. Tenho fé de que vamos
conseguir nos reestruturar”,
disse ao Estadão. Em quatro sá-
bados recentes, o Paulista fez
um mutirão no estádio e conse-
guiu vender cinco mil másca-
ras, 250 camisas e 80 mochilas.
Mas a ação mais notória foi a
rifa da medalha de campeão da
Copa do Brasil. O clube vendeu
cem números a R$ 10 cada e con-
seguiu arrecadar R$ 1 mil para
pagar contas atrasadas. “As me-
dalhas estavam em uma sala
trancada dentro do estádio.
Chamei um chaveiro, entrei lá e
achei um monte de camisas anti-
gas, agasalhos sem uso e 25 me-
dalhas da Copa do Brasil. Nós
vamos nos organizar para fazer
bom uso de todos esses itens”,
contou o presidente.
Do pacote de medalhas, par-
te ficará no memorial do clube e
o restante será destinado a ou-
tras ações, como leilões. Os uni-
formes também devem ser usa-
dos para essa finalidade. Nas úl-
timas semanas o Paulista orga-
nizou não só o mutirão de ven-
das de máscaras e mochilas co-
mo também realizou lives nas
redes sociais com a presença de
ex-jogadores para incentivar a
participação da torcida.
O auge do Paulista foi em
2005, quando conquistou a Co-
pa do Brasil sobre o Fluminen-
se, e em 2006, com a participa-
ção na Libertadores. Nos anos
seguintes a situação desandou
e os rebaixamentos viraram ro-
tina. No Brasileiro, o time che-
gou a disputar a Série B até


  1. No Estadual, a última pre-
    sença na elite foi em 2014, para
    depois cair até a quarta divisão.
    Em 2019 o Paulista conse-
    guiu acesso à Série A-3, porém


nesta temporada a equipe esta-
va na lanterna antes da paralisa-
ção. “Faltam quatro jogos e
quem sabe a gente precise ga-
nhar três para não cair”, calcula
Rodrigo Alves, que também es-
tá preocupado em resolver a si-
tuação do CNPJ do clube.
Segundo o diretor jurídico do
clube, Marco Antônio Zuffo, a
situação tem melhorado com
doações. Uma loja de materiais
de construção, por exemplo,
bancou R$ 14 mil para reformar
o vestiário do time. Outro co-
merciante doou produtos de
limpeza. “O clube quase che-
gou ao ponto de insolvência.

Mas em Jundiaí as nossas ações
mexem positivamente com a
torcida”, comentou Zuffo.
O advogado contou que, an-
tes da pandemia, o Paulista ha-
via diminuído um pouco as dívi-
das. O clube usou parte da cota
recebida pela FPF para quitar
pendências. Em um ano, foram
gastos R$ 1,2 milhão para resol-
ver 78 processos trabalhistas.

História. O hoje Paulista Fute-
bol clube já atendeu por outros
nomes ao longo dos 111 anos de
história. Seja como Lousano
Paulista ou Etti Jundiaí, a equi-
pe se notabilizou nas últimas dé-

cadas por surpreender times
grandes e revelar jogadores até
para à seleção brasileira.
O clube foi apenas “mais um”
até firmar parceria na década de
1990 e se chamar Lousano Pau-
lista. Sob esse nome, o time saiu
da Série A-3 e conseguiu proje-
ção nacional nas categorias de
base ao ser campeão da Copi-
nha, em 1997, sob o comando
do técnico Giba.
No ano seguinte foi a vez da
Parmalat chegar ao clube e mu-
dar seu nome para Etti Jundiaí.
A parceria durou até 2002, quan-
do voltou ao nome original.
“Com a Parmalat o time se es-

truturou mais e bons jogadores
subiram ao time de cima e fo-
ram depois negociados”, disse
Vágner Mancini, ex-treinador e
ex-jogador do Paulista.
O elenco campeão na Copa
do Brasil tinha o goleiro Victor
e o zagueiro Réver, ambos atual-
mente no Atlético-MG, e o
meia Cristian, ex-Corinthians,
que lembra. “Naquela época o
time era muito unido. A maioria
dos jogadores morava debaixo
da arquibancada, estavam su-
bindo da base”, disse o jogador,
que tem 36 anos. O clube tam-
bém revelou o meia Nenê, hoje
no Fluminense.

A


retomada do futebol em algu-
mas partes do mundo, após a
paralisação devido à pande-
mia, escancarou a falta que a torcida
faz. Os estádios vazios tornam a dis-
puta fria e sem graça, muito mais
parecida com um coletivo em dia de
treino do que com uma disputa acir-
rada pela vitória. Basta ver os jogos
do Campeonato Alemão, o primeiro
na Europa a ser jogado após a covid-
19, ou acompanhar neste mês os re-
tornos das partidas em Portugal, Itá-
lia e Inglaterra, todos torneios nacio-
nais com datas já marcadas de volta.
Não existe futebol sem torcida e

isso está bastante claro nesse momen-
to. Aos que defendem a segurança no
futebol e as punições pelas brigas dos
torcedores, como hooligans, barra bra-
vas e torcidas uniformizadas, o recado
atual que essa retomada nos mostra é
que os jogos, de qualquer tamanho,
precisam de público. Nunca a falta dos
aplausos e das vaias foi tão sentida du-
rante os 90 minutos como agora.
Decididamente, a torcida compõe a
santíssima trindade do futebol, forma-
da ainda pelos jogadores e arbitragem.
Não há futebol sem essa composição.
Daí a certeza de que é necessário pres-
tar reverência a essa instituição que ale-

gra e participa do espetáculo. Entoan-
do seu gritos muito antes de as equipes
entrarem em campo, tremulando suas
bandeiras de tamanhos diversos e ves-
tindo as cores do time do coração, os
torcedores dão às partidas o sentimen-
to que elas despertam nas pessoas, e
não somente naquelas que estão den-
tro dos estádios. O som vindo da boca
de cada um desses seguidores ecoa pe-
las transmissões de rádio e TV, é descri-
to nas páginas dos impressos e retrata-
do nos sites noticiosos esportivos às
vezes em tamanho igual ao de um gol.
Quem mais sofre com sua ausência
nesse “novo normal” do futebol é o jo-
gador, aquele que sempre soube que
um gesto, um drible, uma tabela e, cla-
ro, um gol sempre mexeu com os senti-
mentos dos torcedores da sua equipe e
disparou a ira dos oponentes, numa
mistura de inveja (no bom sentido) e
revanche. Quem não se lembra, por
exemplo, do dia em que Ronaldinho
Gaúcho foi aplaudido de pé dentro do
estádio Santiago Bernabéu pela torci-

da do Real Madrid após levar seu Barce-
lona à uma vitória inconteste?
Pule os últimos 20 anos no futebol
brasileiro, em que as torcidas uniformi-
zadas caminharam na contramão de
sua alegria, com brigas, confrontos e
mortes, fazendo com que as autorida-
des tomassem medidas duras e de
mais confrontos, com prisões e novas

mortes, e regresse aos tempos em que
os estádios do País eram divididos em
cores diferentes, cada qual empurran-
do seu time para vitórias memoráveis,
e se tem um futebol muito melhor. É
preciso ainda entender melhor o ato
de ontem dos uniformizados contra o
governo que acabou em conflito.
A falta de solução e de controle para
essas brigas burras e incompreensí-
veis tirou parte dessa torcida dos cam-

pos em São Paulo e ainda afastou
muitas pessoas de bem das arenas.
Em 2018, a final da Libertadores
entre dois rivais argentinos, Boca Ju-
niors e River Plate, teve de ser dispu-
tada na Espanha porque foi impossí-
vel organizar a partida no país.
Mesmo os mais críticos à presen-
ça de torcedores nos estádios após
tantas mortes, é preciso repensar a
posição e encontrar alternativas. O
caminho do confronto, rixas e vidas
perdidas nunca foi o correto, muito
menos agora, quando o mundo pas-
sa por uma nova realidade, enterra
diariamente milhares de pessoas e
acompanha unido a busca por uma
cura do coronavírus que possa bene-
ficiar a todos indistintamente. Se ha-
via algum sentido brigar no futebol,
certamente não existe mais. O fute-
bol precisa ser repensado. As torci-
das devem se respeitar pelo bem de-
las próprias, de sua existência e tradi-
ção, das pessoas comuns, mas, prin-
cipalmente, pelo bem do esporte.

]O Fluminense anunciou ontem a
contratação do atacante Fred, que
assinou contrato válido até julho de


  1. “Sensação de voltar para casa.


A nossa torcida tem algo diferente”,
disse o atacante, que estava no Cru-
zeiro. Pelo Flu, Fred atuou entre 2009
e 2016. Foram 288 jogos, 172 gols,
além da conquista de dois Brasileiros
(2010 e 2012), um Carioca (2012) e
uma taça da Primeira Liga (2016).

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Cazares, do


Atlético-MG,


testa positivo


Técnico dirigiu


o Atalanta com


coronavírus


FLUMINENSE ANUNCIA A
VOLTA DO ATACANTE FRED

NO VERMELHO


Futebol. Em grave crise financeira, clube recorre a peças históricas, como as medalhas do título da Copa do Brasil, para tentar se reerguer


E-MAIL: [email protected]
INSTAGRAM: @ROBSONMORELLI
TWITTER: @ROBSONMORELLI
FACEBOOK: @ROBSONMORELLI

A falta que a torcida faz


O meia Juan Cazares, do Atléti-
co-MG, testou positivo para co-
vid-19 ontem, após a terceira ba-
teria de exames realizados pelo
clube mineiro. Apesar de estar
assintomático, o equatoriano já
foi afastado dos treinos da equi-
pe e terá acompanhamento da
comissão médica atleticana.
Cazares, de 28 anos, já foi fla-
grado várias vezes “furando” o
isolamento social para jogar bo-
la com os amigos e até posou
para fotos.

FLUMINENSE

É muito triste e sem graça ver
uma partida de futebol sem
ninguém nos estádios

O técnico do Atalanta, Gian Pie-
ro Gasperini, revelou que sen-
tiu vários dos sintomas provoca-
dos pelo novo coronavírus no
dia em que sua equipe enfren-
tou e venceu o Valencia por 4 a
3, no confronto de volta das oita-
vas de final da Liga dos Cam-
peões da Europa. O duelo foi dis-
putado na Espanha, no dia 10 de
março, sem torcida no estádio.
Em entrevista ao jornal italia-
no Gazzetta dello Sport, Gasperi-
ni contou que começou a passar

mal um dia antes do jogo na Es-
panha. “Alguns dias antes eu re-
cebi os testes que confirmaram
que tinha a doença (covid-19).
Recordo que no dia da partida
eu estava muito doente”, con-
tou o treinador.
Recentemente, especialistas
apontaram que o primeiro due-
lo entre Atalanta e Valencia, dis-
putado em 19 de fevereiro, com
mais de 40 mil torcedores no
San Siro, em Milão, ajudou a es-
palhar o vírus no norte da Itália.
O prefeito de Bérgamo, Giorgio
Gori, chamou aquela partida de
bomba biológica.
“Alguns acreditam que voltar
ao campo é imoral, mas creio
que é a única maneira de voltar
ao normal”, opinou Gasparini.

R$ 60 milhões
é o valor da dívida
acumulada do Paulista; o
clube de Jundiaí está em
últimolugar na Série A-3 do
Campeonato Estadual


EDUARDO MEDRANO/PAULISTA

Paulista aposta em rifa para se salvar


Mutirão. Diretoria do Paulista organizou eventos de venda produtos como mochilas e máscaras para arrecadar fundos
Free download pdf